Os dois dias
ou Até que a morte os separe...
Entrei no cerne, no mais profundo recanto, de uma outra
pessoa e de lá extraí uma história que poderia ter
achado em mim mesmo. Mas não convém que o escritor fale de
si, é preciso ser o observador arguto do mundo que nos
cerca, não do mundo que circundamos.
Vamos à descoberta:
Esta uma pessoa estava morta. Na verdade, ele não estava
morto morto. Embora seus sinais vitais existissem, ele
não existia. Como explicar? Ele estava vivo, mas estava
morto.
Bem, resumindo, ele tinha morrido porque seu coração
houvera sido desintegrado e ele quis se desintegrar todo e
ele estava morto, mas sentia dor, a maior de todas.
Mas, milagrosamente, como aqueles bem-aventurados
que tiveram a oportunidade única de enfrentar a morte,
perder e ter uma segunda chance (o morto que foi jogado
sobre os ossos de Eliseu e todos os que foram
ressuscitados por Jesus Cristo), ele reviveu!
Ele reviveu! Parece impossível? Mas assim se deu.
[Alguém aí assistiu Inteligência Artificial? Sem
críticas, ok? No final do filme, quando o "garoto" pede
pros aliens, ou seja lá que forem, pra ter a mãe
de volta eles dizem que até podem fazer, mas por pouco
tempo.]
Bem, a pessoa que tinha estado morta, ou melhor, morto,
porque a pessoa era ele, e que depois voltou a viver, não
sabia que também haveria um prazo de validade para a sua
vida novinha em folha.
Pra liberar vocês para viverem as suas vidas, vou terminar
a história. Nesses dois dias que teve de vida, que,
insisto, ele não sabia que seriam só dois. (Na verdade
foram mais que dois, foram uns cinco, mas nos outros três
ele ainda estava meio zonzo e não sabia se estava mesmo
vivo, certo? Pra não me acusarem de faltar com a verdade.)
Encerrando, ele viveu esses dois dias como nunca ninguém
viveu antes nem viverá depois. Ele foi mais feliz que
Salomão nos bons tempos. Tudo o que havia sofrido na vida
antes de morrer e durante a morte foi superado pelos dois
dias em que viveu de verdade. Pois o amor assim quisera, o
mesmo amor que lhe havia legado o frio da inexistência.
Nesses dois dias, o amor o amou como ele sempre o amara e
ele acreditou que assim seria para sempre e sempre e mais.
Mas ele morreu (leia-se: foi morto de novo, sem aviso, sem
chance de defesa, o que pode até ter sido bom, pois foi
rápido) no final do segundo dia e agora saboreia
a dor como nunca mais vai doer na vida.
pms(post mortem scriptum): como é frio dentro do coração
de um morto de novo...
pms2: mas mesmo morto ele sonha, sonha viver de novo, será
que o amor acorda?