302 (a morte da saudade)

Morrer de saudade

Qual seria a raiz dessa expressão? Algum dia alguém teria morrido de saudade? Morrido mesmo, vindo a óbito? Será que lá na época do Império Romano? Será que entre os românticos do século dezenove? Ou será que a expressão já nasceu no plano da figuração? Desta forma, a saudade não seria então – nunca teria sido – uma assassina. Muito embora saibamos que o amor romântico chegou a ser chamado de Mal do Século, no século do cientificismo. Pessoas morriam de amor, literalmente, tomados por depressão e tuberculose, e, imaginamos que morrer de saudade está implícito em morrer de amor. A saudade então - de certo que sim - já fez muitas vítimas. Hoje, porém, talvez bem menos que antes.

Ele, o jovem pesquisador, experimentara todos os sabores da saudade: doce, azedo, amargo... Certo dia ele olhava para o mar contemplando a vinda de um navio que despontava no horizonte. Ele sabia que naquele navio estava ela. Ela já não agüentava mais o peso do enorme oceano a separá-los. E assim veio reencontrá-lo. Quem sabe pra ficar... Quem sabe para mais um eterno momento passageiro... Quem, afinal, pode prever o curso da vida? Sim, a saudade os matava. Mas como doença que mata aos poucos, pois os grandes amores não são como suicídio: eles são como doença. Ele sabia que seu romantismo pessoal era sufocante e impertinente. Da mesma forma que sabia que aquilo poderia ser contagiante... como vírus. Assim como estava alí a ciência de que aquilo pudesse ser, por outro lado, a cura, e que veneno e remédio são feitos da mesma substância, em doses diferentes. Coisas que talvez ambos soubessem.

Como pesquisador ele era um bom poeta romântico. De forma que ele sentia, muito mais do que estudava. O navio ancorara paciente. Viera a dama. No cais uma tempestade de gaivotas famintas, que eram vistas pelo casal que, de mãos dadas, se deleitava na perplexidade. Era a saudade quem estava morta, enfim. Isso faz muitos anos.

*