Banho de Chuva
Era uma monótona tarde de domingo. Daquelas que não se espera muita coisa. Fazia sol e o ar era denso e abafado dentro do quarto. Deitei um pouco o olhei para teto. Por alguns minutos me abstraí completamente de tudo e não pensei em mais nada.
Fechei os olhos e comecei a explorar um pouco de cada sentido. Primeiro coloquei toda a percepção no tato, sentindo o calor trazido que teimosamente se mantinha dentro do quarto. A pele esquentava e meus olhos se remexiam tentando se esconder dos raios de sol que entravam pela janela e iam direto para o meu rosto. Os poros se abriram, e agora úmidos, transbordaram discretamente formando pequenas gotículas de suor.
Respirei fundo. Não havia muitos aromas no ar, mas era possível sentir a umidade que vinha com o vento. Esse havia se tornado levemente mais forte e fazia com que o pano da cortina balançasse ás vezes bem lentamente e em outras bem rápidas, quase bruscamente.
Deixei que a respiração fosse ficando cada vez mais leve e nem percebi quando ela passou a ser algo automático e natural, como as batidas do coração.
Nesse momento concentrei em minha audição. Podia ouvir ruídos vindos da rua. Ouvia conversas, mas não as entendia. Ouvi latidos, de diferentes tonalidades, talvez até de cães de diferentes raças, imaginei. A calmaria era tanta que os latidos ecoavam por toda parte.
De repente, o vidro da janela estremeceu. Uma rajada de vento invadiu o quarto, jogou a parte baixa da cortina para cima quase horizontalmente por alguns segundos e depois enfraqueceu novamente, voltando à calmaria.
Não deixei de escutar. E naquele instante ouvi pequenas batidas. O espaço de tempo entre uma e outra era relativamente grande, mas foi diminuindo rapidamente. A umidade aumentou consideravelmente, já dava para sentir o cheiro do asfalto úmido. Logo em seguida, sem avisar, a chuva caiu. E caía generosamente. Agora era um domingo de sol monótono, banhado com chuva.
Levantei, olhei pela janela e tomei gosto daquilo. Uma chuva refrescava aquela tarde abafada, o sol estava bem nítido no céu e as nuvens eram brancas e límpidas.
Não pensei em nada. Simplesmente deixei o quarto, desci as escadas e saí portão a fora. A água caía pura e limpa. Não importei com o chão molhado. Caminhei até a rua e fiz um pequeno passeio na chuva bem devagar, quase parando.
Parei e olhei para o céu. Fechei os olhos enquanto erguia o queixo para cima. As gotículas batiam na pele fina que protege os olhos. Coloquei as palmas da mão para cima e fui esticando os braços bem lentamente, até que os dois braços ficaram perfeitamente alinhados na horizontal.
Parei alguns minutos e senti. Só senti. Deixei todos os sentidos ao máximo. A pele estava encharcada, o cheiro da chuva acalmava e o som das gotas caindo no chão era extremamente relaxante. Peguei-me por um instante no ápice da beleza do viver.
Depois de um tempo voltei a mim. Olhei em volta e havia um grupo de pessoas espremidas em um coreto, secos. Olhavam-me curiosos e com cara de desentendidos. Esperavam a chuva passar para irem de volta para suas casas.
O céu desabou doce e afável numa tarde amarga e solitária. E Enquanto todos se escondiam eu tomava banho de chuva.