Recomeço
Recomeço
- Oh! Meu herói, meu herói! – ela dizia isso e o cobria de beijos – você fez tanto, tanto...
Ele estava no colo dela, havia acabado de recobrar a consciência. Tinha um ferimento num dos olhos, seus braços estavam arranhados, as mãos machucadas, um pouco de sangue fresco no seu cotovelo. Todo o seu corpo doía.
- O mais estranho... é que não me lembro de nada – disse ele, se levantando, e como se estivesse falando sozinho.
- Nada!? – exclamou ela – você subiu num prédio de 17 andares e salvou velhinhos das chamas, quando tudo estava desabando.
- Foi? – fez ele, absorto.
- Foi! – exclamou ela – depois salvou 200 crianças que estavam caindo da ponte, quando a ponte ruiu. Ajudou até os bombeiros.
Ele coçava a cabeça e franzia o cenho.
- Oh! Meu herói! – suspirava ela, piscando os olhos – sou toda sua. Tenho tanto orgulho de ti.
Estavam sentados sobre uma grande pedra. Ela o beijava, acariciava, palpitava.
- E ...onde estão eles, os velhinhos, as crianças...?
- Morreram – disse ela – Morreram todos. Morreu todo mundo. Morreu tudo, tudo, tudo. Foi o fim do mundo. Só sobrei eu.
- E eu...- balbuciou ele, tentando achar uma posição sobre a grande pedra em que se encontravam – tenho mesmo a impressão de ter passado por algo muito intenso. Mas não lembro patavina. Já nos conhecíamos antes?
- Não – respondeu ela – mas quando o vi, enfrentando as chamas e o concreto desabando, oh, fiquei encantada, foi amor à primeira vista.
Ele olhava para os lados e não via nada em todos os horizontes. Toda paisagem parecia desfeita, só se via ferros retorcidos, escombros, uma infinidade de escombros.
- Fim do mundo? – indagou ele.
Ela confirmou com a cabeça.
- Não sobrou nada, meu herói, só nos dois, e essa pedra.
- E...agora? – inquiriu ele, com dificuldade em atinar as idéias.
- Agora... – ela cessou as carícias, e, com um tom ameaçador, desferiu – desce dessa pedra e arruma alguma comida pra gente. Já! Estou com fome!