ELE ERA UM GUERREIRO

Desde o princípio dos tempos e sabia até ao final desses tempos

A sua primeira memória era de um pequeno combate com paus e pedras, na antecâmara das civilizações. Lembra-se vagamente do combate desorganizado, dos urros que teciam as primeiras linguagens, duma forte dor na cabeça, do negro, daquilo que pensava ser o fim. Mas não era…Abriu os olhos dai a algum tempo, num combate romano pela conquista da “Germânia” inserido numa Legião. Sem perceber bem como lá aparecera, o que é um facto é que aparecera com a idade de 20 anos e com as memórias do treino, de combates anteriores e de mais nada…Parecera que lutava desde sempre e que aquela era a sua função principal, pois no intervalo das batalhas ouvia os seus camaradas a falar de paz e de famílias, de uma outra vida que ele desconhecia de todo, pois só se recordava de lutar, de lutar, mais nada…Mais uma batalha, mais uma ferida mortal, mais um fechar de olhos, mais um abrir de olhos desta vez na época que sucedeu aos Romanos, e em que um resquício de Europa tentava conquistar as terras santas por onde andara um tal de “Cristo”, o mentor da religião professada pelos homens que vinham do norte. Percebendo que de nada tentava compreender o que ali o levara, compreendeu que deveria fazer o que lhe estava nos genes, e por isso voltou ao combate pelo combate, ajudando a conquistar Jerusalém e voltando logo de seguida a morrer.

E foi assim pela histórias das guerras fora, passando pelas Descobertas com os Portugueses, pela independência dos futuros Estados-Unidos, nas guerras Napoleónicas e pelas trincheiras daquilo que os historiadores chamaram a I Guerra Mundial, onde experimentou os horrores de morrer gaseado, sendo a agonia menos dolorosa pois ele sabia que era uma questão de tempo até voltar a acordar…Tendo como prova que este jogo era perfeitamente aleatório na sorte das armas, os seus olhos abriram-se outra vez na queda de Berlim, em Abril de 1945, integrado numa unidade SS de combate que duma forma até ali estranha para si, lutou selvaja e barbaramente tentando salvar o que restava do fascismo das garras Soviéticas comunistas, não que isso lhe interessasse muito, pois apesar de nas suas novas memórias estar sempre incluída a ideologia ou os motivos da guerra, já se mentalizara que a sua existência era a combate puro e duro, não interessando as razões, não interessando se gostava ou não da morte, se tirava ou não prazer dela, se queria amar uma mulher e ver com ela um futuro sem sangue, um futuro da sua paz desconhecida e não apenas pedaços de afecto no intervalo das trevas, não interessava se a memória das mortes que lhe sujavam as mãos não lhe traziam qualquer tipo de remorsos…Numa das velhas religiões que partilhara em tempos existia Marte, o Deus da guerra, e talvez ele fosse apenas um instrumento deste Deus pagão, a sua máquina de guerra eterna que acompanhasse a humanidade na sua terrível dicotomia entre a arte da vida e a arte da morte…Não interessava a terrível sensação de ter deixado a II Guerra Mundial esmagado pelas lagartas de um T-34, agonia que experimentou até uma dor extrema o ter atirado para o mundo dos mortos.

Foi então que experimentou a duplicidade da sua espécie de dom ao acordar aos comandos dum F-16 Israelita na guerra Libanesa do verão de 2006. Se não estivesse habituado à tal duplicidade bélica teria achado no mínimo estranho estar a combater por um povo que o seu anterior senhor queria exterminar. Sabia ir morrer novamente, tal era inevitável, embora desta vez fosse mais difícil devido à gritante supremacia bélica Hebraica e à quase ausência de meios antiaéreos do novo inimigo, que tornavam virtualmente impossível o abate dos seus aviões…Mas se tal estava escondido nalguma cave à espera de uma melhor oportunidade, ele sabia ir ser o alvo, sabia porque nunca saíra de nenhuma campanha vivo…

E agora, enquanto se entretinha a pulverizar os redutor terroristas e os civis que também lá estavam, distraia-se a pensar em qual seria o seu próximo combate…Já que não lhe era dada a oportunidade de escolha e já que a guerra era o seu único horizonte, gostaria de combater em algo diferente, dai a uns séculos quando as primeiras colónias espaciais ainda apenas na imaginação de alguns decretassem a independência e a Terra as forçasse a voltar à velha ordem de sempre…Sim, apesar de se irem repetir políticas, ao menos mudaria de horizontes bélicos e talvez tivesse um horizonte verde ou vermelho onde fechasse os olhos pela última vez e não o horizonte de sempre azul da Terra.

No seu intimo desejava a paz, desejava o que os seus camaradas sobreviventes tinham a seguir à mortandade, desejava uma casa, desejava, mas não conseguia nem nunca conseguiria ter…Pois para o pior ou o melhor

Ele era um guerreiro