Sapatos amarelos
Artur pisava com cautela, não queria acordar os outros. No imenso quarto, foi passando por todas as camas e parou defronte a única janela que era um vitrô longo e alto. Nas pontas dos pés olhou pela janela o portão principal e a rua. Ficou alí, na mesma posição, olhando os carro e imaginado qual pararia e quem dele sairia. Uma mulher alta e magra vestindo sapatos amarelos. Um homem calvo de terno? Lá fora chovia e ainda era tão cedo que todos dormiam. O chão é gelado para andar descalço, mas sapatos fazem barulho. Não podia fazer nem um pio! Ele esperava como quem sabia que alguém iria chegar.
Ele tinha escutado a conversa de Dona Lorena que falava com alguém pelo telefone. Alguém viria. Seria a sua chance! Seria o primeiro a acordar, escovar os dentes, iria vestir a sua melhor roupa e teria o maior sorriso. Seria hoje!
Ainda estava olhando pela janela quando ouviu vozes no corredor. Bem depressa, agachou no chão e se arrastou para debaixo da cama do Dário.
Dona Lorena abriu a porta e acompanhada de duas pessoas ficaram parados olhando as crianças dormirem. Murmuravam algo.
Artur viu um par de sapatos amarelos e outro par preto. Mal pôde acreditar. Quase chorou, mas não quis fazer barulho. Via também as velhas sadálias de couro de Dona Lorena. Mas os sapatos eram amarelos e ele sabia disso, ele tinha previsto! Só podia ser um bom sinal! Ele sorria embaixo da cama, cobrindo a boca com as mãos, num contentamento sem tamanho. Sabia que desta vez ele iria pra casa. Pra sua casa, com Mamãe e com Papai.
Mas eles vieram tão cedo! Nem tinha visto o carro chegar, devem ter entrado pelo portão dos fundos.
Nem deu tempo de vestir sua roupa especial. E agora ele estava ali, embaixo da cama e os pais - seus pais - estavam olhando pras outras crianças! "Não! Não olhem para eles, eles são angelicais dormindo, mas não acordados!"
Artur não aguentou, e num longo salto se jogou no chão, aos pés de seus pais.
- Eu! Escolhe eu!
- Artur! - disse Dona Lorena - o que você estava fazendo embaixo da cama?
Artur olhou para Mamãe e ele carregava um bebê no colo. Um bebê? Como assim? Ela tinha vindo especialmente para Artur, Artur sabia disso! Por que está segurando um bebê?
-Dona Rosa veio buscar seu filho, o bebê Gabriel! - disse Dona Lorena, pegando Artur no colo, que colocava as mãozinhas no rosto, chorando baixo.
Artur segurou forte no pescoço de Dona Lorena, e reconheceu o cheiro de café e manteiga que ela sempre mantinha impregnado na pele.
Não foi desta vez e Mamãe e Papai logo foram embora, sorridentes, carregando bebê Gabriel bem embrulhado em uma manta branca.
Artur voltou para a cama e como a chuva era forte, o chão era frio e a vida não era fácil, resolveu que nunca mais queria levantar e com os seus cinco anos de desilusão, adormeceu com medo do futuro e dormiu sem sonhos.