SOBRE O QUE NOS DIVINIZA
Você gosta de carne crua? - balançou os quadris e abaixou-se. Sorria com desenvoltura.
Como? - meu rosto queimava.
Você prefere crua?... Ou cozida? - gargalhou, o rosto expandindo-se maroto e solto.
Tentei rir também. Nada. Ela impacientou-se com discrição, abriu a porta e entrou no carro. Bafejou nas mãos.
Está uma friaca danada lá fora, sabia? - engraçado como ela continuava sorrindo ao falar. - Então?...
Então... O quê? - gaguejei.
Então... - ela também ficou perdida mas recompôs-se rapidamente. - Então, o que vamos fazer, benzinho?
Pela primeira vez, não gostei de estar ali. Perdi a timidez.
Desculpa, é minha primeira vez assim... Aqui... Não sei bem o que fazer. - sorri, buscando aquiescência. Ela não retribuiu. - Entende?
É, acho que entendo. - ela pareceu-me desanimada. Olhou para longe, os olhos escuros palpitando o silêncio. Já não sorria mais, mas o desenho da boca era o mesmo, bonito.
Entrevei-me na timidez, tudo de novo! Cerrei as mãos, impaciente, odiando estar ali. Ela socorreu-me numa nova tentativa:
Já sei o que você vai fazer. Vai me deixar aqui, numa boa, pegar o carro, dar uma volta no quarteirão. Se sentir confiança, você volta, nem que for só pra gente tomar um drinque. Somos excelentes psicólogas, sabia? - sorriu, esfregando sua gentileza na minha cara.
Pensei “isso é uma tremenda de uma insensatez”, balançando a cabeça que sim.
Tá certo. - disse sem certeza e sem sutileza.
Ela desceu do carro. Como eu não saía do lugar, exasperou-se:
Vamos, meu bem, se você tiver afim, vai voltar. Mas, anda, vai!...
Saí, quase cantando pneus. E nunca mais voltei.
Melhor, quando voltei, dois minutos depois, ela não estava mais lá.