O sentido das palavras
Já era noite. Ouvimos, eu e meu irmão mais velho, a notícia que D. Chiquinha havia batido a “caçuleta”. A expressão já nos era familiar: morte. Meu pai estava também naquele bar de onde ouvimos sobre a morte de D. Chiquinha.
Não podíamos entrar naquele bar. Nosso pai ficava bravo quando embriagava, batia, xingava. Era seguro evitar. Afinal, “caçuleta” era morte e o nome ouvido era de D. Chiquinha. Não tínhamos dúvidas.
Chegamos em casa e contamos à nossa mãe que apavorou-se. Foi ao quarto, se vestiu e saiu às pressas na direção da casa de D. Chiquinha. Na entrada, não havia nenhum tumulto que representasse a morte de alguém. Quis recuar, mas ponderou: - deve ter pensado “vim até aqui, preciso saber o que houve.”
Bateu à porta. D. Chiquinha, sempre solícita veio atender e comovida com a visita convidou nossa mãe a entrar. Ela não teve como se esquivar, entrou. Permaneceu lá por uns 20 minutos. Nós estávamos atrás de uma moita de capim para observar a saída de nossa mãe.
Quando a vimos sair, tratamos logo de ir para casa. Chegamos a correr no percurso. Ligamos a televisão e nos fingimos sonolentos. Nossa mãe chegou e começou a esbravejar:
- Não podem falar o que não sabem... ou ouvir demais, o que não deve.
Dias depois foi-nos esclarecido sobre o que aqueles homens comentavam a respeito de D. Chiquinha nada tinha a ver com morte, mas um tira-gosto que ela havia mandado para aqueles senhores que bebiam: - costeletas de porco.