Entre arapucas e Sabiás

Quando era criança, eu sempre armava arapucas.

Tentava apanhar os sabiás que viviam por debaixo do cimo das árvores mais frondosas.

Às vezes os apanhava para então libertá-los e, assim, poder apanhá-los novamente em um dia mais aprazível.

Um destes dias propícios para se apanhar sabiás em arapucas por debaixo de frondosas árvores.

Depois de apanhados uma vez ou por tê-los tentado apanhar, somente conseguia capturá-los novamente quando os esperava pacientemente, aguardando por debaixo da parte mais sombria das densas folhagens que as árvores menos aprazíveis e frondosas podiam tão bem oferecer para que me servissem de abrigo.

Parece-me que só assim os apanhava, porque quando os sabiás percebiam o meu desejo ardente de aproximar-me deles e os apanhar, fazendo-os cativos dentro de gaiolas e submissos a minha vontade, essa de aprisioná-los por algum tempo.

Eles então escapavam logo, como se fossem pássaros ariscos, ressabiados de eu tentar apanhá-los de debaixo das sombras de aprazíveis e frondosas árvores onde costumavam viver.

Acabei descobrindo que ao lado dessas aprazíveis e frondosas árvores, nas sombrias e menos aprazíveis e frondosas outras árvores, onde a vegetação não era tão densa e não servia de abrigo a ninguém que estivesse esperando apanhar sabiás ariscos e protegidos por árvores aprazíveis e frondosas onde escondiam-se e viviam os não tão belos, mas bastante espertos sábias, nesses locais, menos favorecidos pela natureza, havia lindíssimos sabiás, com magníficas plumas alaranjadas em peitos enfurnados e que tão bem sabiam declinar seus cantos tão belíssimos, como eles próprios os eram. Ah, quanta saudade de não tê-los apanhado!

Esses sabiás eu nunca os pensei em capturar, por desinteressante que pareceria, imaginava-os tão facéis de capturar, quanto realmente o eram, em comparação a dificuldade que tinha em apanhar aos outros.

Depois de algum tempo, tentando apanhar os sabiás que não se deixavam apanhar facilmente, aprendi a colocar um pouco de comida defronte às arapucas e deixá-los banquetearem-se a vontade sem os apanhar. Assim, depois de algum tempo, não muito tempo, em vista do que perdi anteriormente tentando apanhá-los sem oferecer-lhes nada em troca, os sabiás ariscos eram facilmente apanhados nas arapucas e devoravam todo o alimento que eu havia disponibilizado para eles, eu sempre os libertava depois de algum tempo, pois o canto deles que fora lindo já nem mais o era.

Hoje compreendo claramente que os sabiás só deixaram-me apanhá-los quando perceberam que seriam regiamente alimentados, mesmo que depois não pudessem ter a certeza de que seriam soltos novamente e que eu sempre os alimentaria para poder apanhá-los mais uma vez. Eles nunca estiveram como meus cativos e sim eu sempre fui o cativo do meu próprio desejo de apanhá-los.

Enquanto o desejo deles de não serem apanhados era diretamente proporcional ao meu ânseio por apanhá-los e os cativar.

Nunca realmente aprendi a vencer a teimosia dos sabiás, mesmo dando-lhes um motivo para quererem ser apanhados, e mesmo eles deixando-se apanhar mais facilmente, na verdade eu é que ainda continuava cativo do meu próprio desejo.

Compreendi, tardiamente, que deveria ter demonstrado a eles que não os queria apanhar e ter-me dedicado a cativar aos sabiás ainda mais belos, mas que habitavam as árvores menos frondosas e aprazíveis e por isso nunca despertaram meus desejos de os apanhar, esses que se deixariam apanhar facilmente.

Hoje arrependo-me de nunca tê-los apanhado, e sim ter ficado cativado por toda a vida daqueles que nunca, realmente, estiveram ao meu alcance.

Brasília-DF, 31 de outubro de 2009.