`A Luz das orquídeas
Manhã de junho. O ar era denso. O sol mal despontava como uma lâmpada fraca, coberta de poeira e fuligem. Ontem dançavam colados, inebriados, ao som da música:“ What a Difference a Day Made”. Um magnetismo inevitável desprendia-se de seus corpos. Faziam planos : viagens, uma coleção incrível com os melhores filmes de suspense, uma casa e um jardim, e claro, um espaço para os temperos e ervas. Os dois – mestres na culinária. Ela falou em comprar um cachorro, adorava animais. Ele propôs adotar um, tantos abandonados! Ela adorava Shopenhauer. Para ele, era romântico demais, mas de certa forma, ele também o era. Achava que a vida era mesmo uma sinfonia de altos e baixos e que depois da dor, a intensidade da vida é mais forte. Duas vidas seladas por mil afinidades e ainda assim, ou até por isso, fizeram amor como se fosse a última vez e dentro dela, segundos depois, ele adormeceu sentindo um suave perfume em seu pescoço. Sonhou fragmentos de felicidade, como um mosaico para sempre iluminado. Ela dormiu profundamente, um sono de criança, na plenitude de um pequeno e adorável universo. Acordaram com o rádio e as notícias de um mundo imprevisível, confuso. Nada mais era uma certeza. A atmosfera era uma ameaça. Ele certificou-se de que todas as janelas estavam fechadas... queria tanto protege-la, embora não soubesse o que fazer. Ainda em choque, voltaram para cama. Abraçaram-se. Choraram. Seus corpos nus enlaçados compensavam o frio daquele momento estarrecedor. A única certeza que tinham, estava pendurada na parede - um relógio, que ainda marcava as horas. Com o dedo indicador, delicadamente, ele expulsou uma lágrima do rosto dela, acariciou-a com uma ternura infinda. Desolado, seus olhos se perderam do lado de fora da janela e, de súbito, esboçaram uma esperança. Ele olhou para ela e apontou para as orquídeas, que púrpuras e aveludadas, ainda insistiam em receber a luz do sol.
* foto- cena do filme "The end of the affair"