DIÁRIO (espiritualista)
O DIÁRIO
(ficção)
Os familiares foram todos ao costumeiro almoço em casa de amigos comuns. Era domingo. Um AVC que destruíra o cerebelo do Francisco, dificultava sua locomoção. Naquele dia em especial, sentia-se pesado e com dores, incômodo motivado pelo sedentarismo excessivo. Não os acompanhou, ainda que insistentemente objetado pela filha, em casa da qual fazia suas refeições.
Foi fácil para ele, naquele dia, fazendo uso dos seus dotes culinários, preparar um almoço frugal. Em se tratando de uma única porção, optou pelo mais simples, embora nutritivo e pouco frequente: arroz branco, ovos e salada verde.
Tinha fome e, por isso, almoçou bem. Colocou as sobras num pote e guardou-o na geladeira. Lavou a pouca louça suja produzida e foi dormir a sesta, como fazia todos os dias.
Eram duas horas e trinta minutos quando acordou sentindo um enorme desconforto abdominal. As dores tornaram-se tão agudas em poucos minutos, que acreditou ver o prelibar da morte batendo-lhe às portas da vida.
Mesmo que chamasse, ninguém ouviria sua voz. O telefone fixo ficava no outro compartimento. Odiava celulares! Com dificuldade, ergueu o corpo e sentou-se na cama. Tentou ficar de pé, mas as pernas não agüentaram o peso do seu corpo, e caiu novamente sobre a cama.
Lembrou-se de, sem forças para alcançar o telefone para pedir socorro e sem outro meio de ajuda, pelo menos registrar as despedidas no diário. Juntando o resto das forças que lhe foram possíveis, literalmente, jogou-se sobre a cadeira junto à mesinha, sobre a qual repousava o diário, e escreveu:
“Se não fui o pai e o avô
que deveria, perdoem-me.
Estou a caminho da Pátria
Celestial. Ao Quincas, até
um dia.”
Perto da casa do Francisco morava seu amigo e confidente de longa data. Tinham tanta sintonia de sentimentos, e tanto essa empatia os fizera irmãos, que a telepatia era quase coisa palpável. Naquela tarde, seu Quincas, que tinha dons mediúnicos, recebeu a mensagem do espírito do Francisco. Sentiu que havia algo errado com o amigo e, mais que depressa, dirigiu-se à sua casa.
O portão do jardim estava aberto. Entrou e forçou a fechadura. Estava trancada a porta da casa. Voltou ao carro e muniu-se de uma chave e fenda com a qual forçou a janela da frente, quarto ocupado pelo amigo, e abriu-a. Olhou para dentro e no lusco fusco do ambiente, viu o Francisco sentado em frente à mesinha, com a cabeça estranhamente apoiada nela. Com a ajuda de vizinhos transportou-o ao PS do hospital, a tempo de salvar-lhe a vida.