O carrasco da véspera
As mãos do crioulo tateavam pelo chão da estribaria, quando uma vez mais o chicote lancinou sua fronte, finalmente vazando seu olho direito. O desespero da cegueira parcial se juntava então ao tormento da dor em todo o seu corpo, a mais intensa de que padecera em seus pouco mais de 20 anos. Era inútil lutar.
Não era só o dever de ofício que impelia o feitor em sua cruel labuta. Excitava-o o intermitente estalar dos golpes na pele magoada do negro recapturado na mata. Gritos e gemidos da vítima soavam aos ouvidos do algoz como uma sinfonia macabra, um réquiem entoado pelo próprio defunto a prenunciar o inevitável fim.
Num canto do curral, estrompada de tanto prantear o caçula, a preta velha nem notou a aproximação do coche. Da cabina, saltou o filho do fazendeiro. De ideais progressistas, o rapaz acabara de retornar da capital trazendo notícias de um novo tempo. Atônito ante o cenário de brutalidade, deixou cair alguns pertences.
Aspirando um último fôlego, o negro ainda teve forças para se lançar ao protetor, desabando já sem vida sobre um exemplar do diário da província e tingindo de vermelho título e data do periódico: A Voz da Liberdade, 13 de maio de 1888.