ENFIADA EM OBRIGAÇÕES
Passei a minha vida inteira enfiada naquela cozinha. Não conheci o mundo lá fora. Desde pequenina, meus pais me “deram” para aquela família, que logo de imediato, me obrigou a aprender a fazer de tudo para eles, desde cozinhar, até cortar os cabelos dos filhos mais velhos. Isso, com tesoura, acreditem!
No palco dessa minha vida, não via as horas passar, ou não me interessa ver. Que importância tinham as horas se os meus olhos não estavam abertos para o mundo? Acho até que nem sabia o que era a noite. Não essa noite que as pessoas saem para a balada e sim um entardecer mais velho, as horas que passam. A escuridão, essa que domina tudo. A madrugada. As obrigações não me permitiam.
Música? Nem sei! Naquele tempo, nem havia música. Apenas um radinho a pilha que a patroa ouvia de vez em quando. Era essa a minha vida. E ainda tinha que ensinar coisas para as crianças. Ensinar para os filhos dos patrões. Coisas que nem cheguei a aprender. Mas não pense que me sinto revoltada. Não, isso não! Como pode haver revolta contra algo se nem ao menos sabemos o que está acontecendo?
Tudo tem fim. A demissão de obrigações que me foram impostas também teve um fim. Chegou o meu momento de dar o troco. De dizer adeus! Foi o que fiz. Saí daquela casa. Não revoltada. Isso não! Saí! E convites para novos empregos choveram. Em casa de família. Claro!!! Eu tinha “boas referências”. Ofertas dançavam na minha frente. Mas recusei todas. Que me adiantava? Que me traziam de novo? Queria ter a minha liberdade... Queria a todo custo. Mas pensando bem, as horas... o tempo... brincaram comigo. Se divertiram até!
Percebi, tarde demais, que nesse palco da vida, eu não tinha um papel de destaque a representar. Mas eu insistia em encontrar qualquer coisa, qualquer coisa que não fosse o que sempre fiz: Ficar enfiada na cozinha de outra casa qualquer.