A CAMINHADA


Sigo lentamente, distanciando-me da velha casa, andando calmo e observando as águas do rio que, serenamente, deslizam pelo leito suave. O rio e eu.
Ledo                a                      ledo.
 
_ Bom dia menino! Cuidado! Distraído assim, você acaba levando um tombo!
_ Ah... Bom dia! Obrigado...

Amarro o tênis, cuspo fora o chiclete e prossigo, sentindo deixar algo de mim para trás, algo de mim sepultado num canto escuro e embolorado da vida, no cafundó adormecido da alma.
 
E carregando-se o céu de nuvens negras, uivando o vento com rajadas intensas contra mim – sempre contra mim – pressinto temporais, percebo o rio correndo veloz, as águas revoltas parecendo quererem avançar sobre mim. Apresso meus passos e prossigo, com uma sensação de medo incessante e de voraz angústia.
 
– Boa tarde, meu jovem!
E nem respondo – tenho pressa.
 
Ajeito nas costas a mochila que parece mais pesada a cada passo que dou. O cigarro apagou. Pareço andar na contramão do tempo... Na contramão das águas... Na contramão de mim mesmo
 
Sempre fomos assim, eu, o rio e o tempo. Andamos em velocidades diferentes e em sentidos opostos, mas nunca deixamos de estar assim:
Lado               a                      lado
 
Não sei como lido com o tempo, mas sei que lidamos:
Lida                 a                      lida

Sei que entardeço a cada dia, e que o rio nunca é o mesmo. E o tempo eu nunca sei se passa por mim, se eu passo por ele, ou se ele fica parado enquanto passo.
 
Sei que choveu intensamente. Que a ventania já cessou. Que restaram folhas secas e flores mortas pelo chão. Ficou um cheiro de terra molhada e um frio que se intensifica a cada respirar ofegante.
 
– Boa noite, senhor! Cuidado, o chão está molhado!
– Obrigado.
 
Apóio-me, cambaleante, na bengala, arrasto meus pés vacilantes pelo chão lodoso, dobro uma curva seguinte ladeando as águas, e prosseguimos,

O tempo, o rio e eu:

Lodo               a                      lodo...


Oldney Lopes©