NOITES DE GALA
Letícia era real e intensa como uma festa. Uma alegoria das suas melhores lembranças. Com ela, recordava o menino que deixara escapar da alma. No momento em que o telefone tocou, não conseguiu evitar: sorria ao atender no terceiro toque. Duas horas da madrugada. Do outro lado da linha, a voz dela:
- Saudade!
- Você sabe que horas são?
- Isso importa?
- Pra você, nunca!
- Quero conversar!
- Tenho alguma opção além desta?
- Tem.
- Funcionaria?
Ela riu: - você sabe a resposta.
- Só não digo até quando.
- Estou sempre por um triz contigo. E sem rede de segurança.
- Isto é um pedido?
- Nunca peço nada.
Não havia pedidos nem gratidão e nada poderia atraí-lo mais. A marca transgressora e, ao mesmo tempo, tola de fazer as coisas. Letícia não pedia. Exigente como uma criança insuportável que acredita ser o umbigo do mundo. No entanto, ele a queria incontrolável. A força que não se domestica por nada. Por isso, a mantinha a uma distância segura: um milímetro da beira do abismo.
- Faça isso agora. Peça uma coisa cara.
A voz dele soou cínica. Sentiu-se covarde.
- Cara? Diamantes!
- Desconheço o termo.
- Deve ser porque sou a única coisa brilhante em sua vida.
- Minha luz.
- Acende o abajur.
A alquimia da frase transformou o corte em sentido:
- Você deveria se chamar Dalila.
- Só em noites de gala, Salvador!
(*) IMAGEM: Google
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