Conto Minimalista n.30

NA TELA REAL


Estava com muita pressa e não colocou o cinto de segurança pois ele tolhia seus movimentos. Avançou o sinal após rápida olhadela. Acelerou em área escolar e buzinou para um pedestre em frente ao hospital. Atendendo ao celular, trocou também a estação do rádio.

Sua mente revia os problemas que tinha para resolver e achou que todos pareciam depender só dele. Se gostava de chefiar uma equipe, detestava a responsabilidade no bojo disto. Era um saco ter que seguir tantas normas e ser cordial com que, na verdade, detestava. Fazia parte esta hipocrisia social, mas queria mesmo era ser livre, fazer só o que gostava.

Parou na faixa de pedestres e avançou antes do demorado farol abrir totalmente. Coisas lentas o irritavam sobremodo e sempre ganhava uns minutinhos preciosos em tudo que podia. Virou à direita e rodou um quarteirão na contra-mão economizando a distante conversão permitida.

Chegando, ele entrou na vaga que alguém já estava esperando antes dele e subiu no elevador depois de chamar os 5 existentes ao andar onde estava. Não cumprimentou ninguém.
Achava aquilo tolice, pois elevador era gaiola de transportar estranhos.

Entrou sem bater, puxou a cadeira ruidosamente, interrompendo a palestra em andamento. Assim que se sentou, o celular tocou com estardalhaço. Ele desligou e rosnou uma semi-desculpa geral.
...
"Cidadania, Respeito e Responsabilidade são deveres que constrangem a todos" - o tema brilhava na tela do conferencista nesta segunda aula do curso obrigatório para altos executivos, nobres deputados, cantores populares e jogadores de futebol, todos com seríssimas infrações de trânsito em suas fichas pessoais - inclusive por mortes tristemente provocadas. De repente, fotos muito impactantes dos acidentes começaram a causar uma terrível comoção geral e a consciência da lúgubre realidade foi atingindo cada um deles, sem nenhuma exceção - para sempre.

Silvia Regina Costa Lima
22 de junho de 2009













Dedico este conto (que não foi escrito para isto, inicialmente)
à Cristiane Yared, mãe de Gilmar, morto pelo deputado
estadual
Fernando Ribas Carli Filho (PSB), do Paraná, que tinha 130 pontos
na sua carteira de habilitação e 30 autuações de trânsito, sendo 23
por excesso de velocidade. Estava alcoolizado e dirigia a mais de
150 km por hora. O rapaz morreu decapitado. E seu amigo morreu
ali também - e no dia do aniversário de sua mãe!!!

Minha admiração pela mulher forte e decidida que conheci ali
buscando provas e justiça- e meu carinho a todos que perdem
seres amados em situações semelhantes.
Que a justiça se faça sempre.
SILVIA REGINA COSTA LIMA
Enviado por SILVIA REGINA COSTA LIMA em 23/06/2009
Reeditado em 25/06/2009
Código do texto: T1663225
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