Condição de mortal

Tomou conhecimento da sua condição de mortal.

Para retirar monotonia ao dia-a-dia tornou-se vida para compreender a morte. Respirou, a noite tornou-se turva, pois permitiu-se respirar, como jamais o tinha feito até ali, preencheu os pulmões daquele vento primaveril, respirou sem pressa, tomando nota da realidade do que a cercava. Viu-se ali, naquela turbe, naquela massa humana sem rumo e sem intenção, viu-se ali desfocada como uma sombra num retrato remoto. Achou-se ali perdida desprovida de objetivo. A linguagem obsoleta mudou de vocábulos para uma série confusa de gestos, os olhares meio turvos confrontados com outros olhares passageiros, olhares magoados e cabisbaixos focalizados na pavimentação.

Levantou-se, ergueu-se e correu, correu embaixo daquela chuva primaveril, para lavar a alma, pensava para si, para lavar a alma, tentava uma razão para algo tão lógico como correr à chuva, procurava essa desculpa porque toda a sua vida lhe tinham falado que correr à chuva é coisa de malucos, por isso, naquele momento de liberação e encanto ainda se sentia culpada.

No pico do seu entusiasmo, embateu no destino, só teve conhecimento de que, da mesma forma, outros corriam à chuva quando embateu na beleza dele, cambaleou no solo molhada e viu, viu o seu olhar, naquele instante deixaram de haver olhares vazios e despropositados, deixou de existir tempo, pois o tempo não era mais do que uma justificação para não pular da roda, sentia-se ali como um risco riscado num toca-discos antigo, e sentia-se feliz!

Levantou-se com o corpo dolorido, mas com a alma lavada, sentiu-se fora do retrato, a sombra não mais existia, o sorriso que brotou dos lábios dela foi o teste final, rodou devagar, olhou o céu, sorriu para si e recobrou a corrida, a chuva havia cessado, mas no seu coração habitava ainda uma inundação, habitava o amor.

Tatiane Gorska
Enviado por Tatiane Gorska em 16/06/2009
Código do texto: T1651603
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