Conto Minimalista n.27

CASA GRANDE


O ruído dos passos no assoalho de madeira da escada fez com que se encolhesse toda, pois, se a noite caía sobre o mundo, para ela começava um novo martírio. Como se não bastasse a faina diária, dura e cansativa cuidando daquela casa grande, enorme - ah...tantos quartos, tanta roupa para lavar, passar, limpar a sujeira que faziam.

Que vida!

Aquilo que parecera uma benção - sua beleza morena e doce - era apenas uma desgraça a mais. Porque nascera com atributos que despertavam atenção e cobiça? Quando para ali viera, aos treze anos, fora isto o que havia sido levado em consideração. De lá pra cá, três anos passados, sua vida era esperar esta hora que se repetia três vezes na semana.

Seus pensamentos foram interrompidos quando os passos ficaram mais próximos e a porta se abriu delineando, na contraluz, aquele corpo masculino e já maduro.  Ela se preparou para a humilhação e para o desgosto que sentia. Nojo. Nada podia fazer contra aquilo ainda. Mordeu os lábios e não gritou, pois de nada adiantaria.
...
Dois anos mais se passaram. Sua altiva e estéril madrinha já não podia mais fazer vistas grossas para tudo o que se passava sob seu teto, pois um alegre menininho de pele de canela e olhos profundamente azuis havia nascido naquela casa e todos sabiam de quem ele era filho.

E que
um dia, ele sendo o único filho do Senhozinho, seria dono da fazenda e das terras  - casa grande e senzala. Ele, o filho dela!
Terminando a oração frente ao altar dos mais variados santos, refletiu:

Deuses e Orixás nunca abandonam totalmente seus filhos...

Silvia Regina Costa Lima
 22 de maio de 2009



SILVIA REGINA COSTA LIMA
Enviado por SILVIA REGINA COSTA LIMA em 06/06/2009
Reeditado em 07/06/2009
Código do texto: T1635305
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