A porta
Num ímpeto uma porta abre-se. Uma porta há muito tempo fechada. Idosa, fatigada, ranzinza. Arrombada? Não…aberta com distinção. Abre-se em assombro. Lamenta-se da dor da inovação. Abre-se sem pressa, aborrecida, relutante. Pára no meio, indaga quem ousa. Não acha resposta, começa o percurso inverso, com repentina velocidade, como se sentisse pavor, como se sentisse antecipadamente.
A dada altura detém-se, não por vontade própria, mas porque entende que nada pode em oposição a força de quem a abre. Compreende que jamais mais será a mesma, que a partir dali um universo que não conhece e que teme se alastrará por milênios.
Tenta uma última vez. Consegue avançar uns centímetros, o bastante para deixar temeroso quem a abre. Do outro lado, sente uma leve carícia, uma mão suavemente hospedada no seu corpo parado e olvidado. Protesta, tenta agitar o toque. No momento em que a mão se põe de lado, brada em silencio para que regresse. Percorrem-na sentimentos de transgressão e desonra, lembranças de quando ainda sentia. A mão torna a aproximar-se, esquece-se nela hospedada. Um diálogo mudo, uma troca de sentidos, uma terna conquista, arriscada entrega.
- Estavas à minha espera! - fala o estranho.
- Há anos! – replica a porta.