Gata Borralheira
A luz do sol cegou-a e um vento morno agitou-lhe os cabelos ao passo em que ela saia para o jardim num movimento brusco, quase correndo para sair das trevas da residência. Era uma casa, uma qualquer, nunca a tinha visto, mas tinha riscos de várias outras onde tinha já se situado. Pestanejou enquanto olhava em volta, demorando um momento duradouro a adquirir conhecimentos das formas do exterior, as linhas das vias públicas, os deslocamentos das pessoas, os coloridos dos automóveis.
Cor de ouro. Com um aperto no estômago notificou-se de que ele se encaminhava ao seu encontro. Engoliu em seco.
“Olá!”
Um beijo fugidio pousou-lhe no rosto, fazendo-a tremer. Ele sorriu. Sabia bem daquele sorriso, tinha já decorado os seus traços de tanto as intentar esquecer.
“Não, não é nada disso, volta comigo”
Seguiram, saíram de junto da porta, perdendo-se juntos na multidão ociosa de pessoas desconhecidas, ela um pouco mais atrás, tentando segui-lo sem fazer ruído, desviando-se dos ombros que passavam excessivamente próximo.
Estavam embaixo da sombra de uma árvore, uma tília, talvez. Ele parou defronte dela, sorrindo.
Silêncio. Já não havia cidade e um terreno extenso descia o pequeno morro. Ela não reconhecia a paisagem, mas decidiu que isso não interessava, estava com ele, devia, por conseguinte, estar no lugar correto.
Ele pegou-lhe na mão e girou ao redor dela. Ela experimentou o coração bater excessivamente forte, manchando-lhe o rosto numa onda corante. Não, não era real.
“Tens a certeza?”
“Tenho! Tenho a certeza! Agora nunca mais te deixo!”
Sentiu os braços dele cercando-a próximo ao peito, respirando fundo. Ela sentiu-lhe o perfume, a ternura, sentiu-se derreter numa onda de amor e sentiu lágrimas chegando-lhe aos olhos. Era verdade sim, ela tinha conhecimento, era a eternidade que lhe fora furtada. Era aquele, era o instante correto.
E sentiu o corpo todo tremer quando o vermelho da boca dele se confundiu na dela, e sentiu que era feliz e que o mundo afinal era mais sublime do que julgava ser.
Despertei.
Era ainda noite e a luz fora da janela tinha ainda os tons das luzes forçadas da urbe. Girei sobre mim mesma, intentando colher as imagens perdidas do sonho, naquela semi-inconsciência que torna tudo demasiado real, quase experimentando ainda um beijo de mel na minha boca.
As lágrimas vieram-me aos olhos e um pensamento relampagueou no meu intelecto... um trecho de um filme, uma película da minha infância, um conto de fadas: “Se não contares a ninguém os sonhos que tiveste, eles realizam-se!...”
Mas a vida não é um conto de fadas... E eu não sou a Gata Borralheira...