Eras tu

Puxei a porta do quarto com a mão que tinha livre. A esquerda talvez. Sabia no meu interior que tinha atrasado demais e os meus pés, nas meias roxas, segredavam-me as tramas do teu soalho e como permaneciam cansados de mim.

Estagnei e engoli em seco quando contemplei a cama vazia. Uma onda de sangue queimou em desassossego por todo o meu corpo e fez-me temer. Tenho o conhecimento de que as pupilas se dilataram e o meu corpo se retesou, pronto para uma circunstância indeterminada que não tinha noção. Que medo era aquele que me fez tremer a alma?

Fechei a porta detrás de mim, certa de que as sombras me palpitariam descompassadamente ao mais diminuto ruído que fizesse. Deslizei em silêncio, a minha mão passando pelo mármore gélido da tua cômoda, o meu coração acelerando à imagem do meu reflexo no teu espelho, imagem desconforme que me apanharia se eu lhe desse essa oportunidade.

Repousei as minhas roupas e examinei minuciosamente. A luz da vela lançava-se incerta pelas paredes, gerava sombras quase palpáveis. Um arrepio esquadrinhou-me e assentei-me na cama. Deixei a respiração contida, que o meu corpo experimentasse cada milímetro de tecido que me tocava, cada pressão, cada partícula de ar. As mãos pousadas ao lado do meu corpo prendiam-se à realidade que era contestada por aquele espelho à minha frente. Nele, uma mulher olhava séria para o nada, as imagens à sua volta convergindo num ponto próximo dos seus lábios dispostos a dizer. Pisquei. Ela não disse.

Senti um vazio crescer ao meu redor. Já não receava as sombras, porque já não existia nada além de mim, só um medo insano de que não regressasses e eu me tornasse uma aparência vazia serpenteando no teto. Encolhi-me num cantinho da cama, os segundos detendo a eternidade angustiante que não queria.

E a porta abriu, a minha alma dando um pulo de antecipação.

Graças a Deus… eras tu.

Tatiane Gorska
Enviado por Tatiane Gorska em 18/05/2009
Reeditado em 18/05/2009
Código do texto: T1600961
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