Ladeira
Eu descia correndo aquela ladeira todo santo dia, lembro-me bem como se fosse ontem aquela criança destemida que enfrentava os cachorros da rua, que subia nos mais altos galhos, que ia sempre na frente, era tudo menos aquela desagradável ladeira escura, cercas de madeira pareciam cercar meu próprio pensamento e naquele pequeno trecho o medo dominava o chefe infante da rua.
Eu me perguntava porque tinha que morar tão no fim da rua, porque para voltar pra casa eu sempre tinha que passar por aquele lugar obscuro, tinha sido um suplício por anos a fio. Me lembro de estar perdido uma ou duas vezes, não me pergunte como mas eu me perdi em uma rua reta, apenas pelo fato do pavor que eu tinha daquele rua em declive estar me perfurando o estomago como uma lança e a visão e audição aguçada que eu tinha quando criança terem falhado e ido ao chão.
Mas hoje cresci, uso óculos, uso maleta, mudei-me, tenho filhos e tenho medos de coisas muito piores, falta de dinheiro, banco, preocupações.
Uma visita a minha velha mãe naquela velha casa e uma visão daquela rua ao entardecer, algumas árvores douradas e cintilantes, sombras projetadas por cercas e casas, um clima fresco e confortável.
Não obstante agarrei-me a minha maleta e desci correndo.