Acidente de trânsito no Centro
Cruzamento. Sinal quebrado. Dois carros batem, um deles capota e quase cai no canal.
- Ai meu Deus! Ai meu Deus!
- Puta que pariu!
- A minha perna! Quebrou a minha perna!
- Calma, senhora! Já vamos tirar você daí!
- O que foi que teve?
- Minha perna ta doendo!
- Amigo, vai ver se o motorista do outro carro está bem.
- Ok!
- Minha perna! Me tira daqui!
- Espere, fique calma. O motorista ai do seu lado... É seu marido?
- Não, nem conheço! Olhe a minha perna...
- O cara do outro carro tá sentindo uma dor no peito.
- Porra... Então...
- E minha perna?
- O que foi que teve, hein?
- Batida.
- Morreu alguém?
- A minha perna, pelo amor de Deus!
- Alô, é do hospital?
- Ô senhor, você tá bem?
- Hein?
- Tá tonto?
- Traga uma ambulância que teve uma batida forte aqui no centro!
- Quem teve culpa?
- Tou bem, tou bem. Mas minha cabeça tá doendo. A gente capotou...
- Minha perna!
- Capotaram, mas tá tudo legal.
- O que foi que teve?
- Batida.
- O outro cara tá querendo se levantar..
- Não deixa! Vai lá!
- ... É, mande uma ambulância pra cá, por favor. Isso, três pessoas.
- Meu filho, solte o cinto, minha perna ainda tá doendo muito.
- A senhora tá bem?
- Não!
- Calma, a ambulância já vem!
- Alguém morreu?
- Não.
- Como foi a batida?
- Ele passou o sinal e bateu na gente.
- A gente capotou...
- Minha perna...
- Lá vem, lá vem!
- Quem vem lá?
- Como foi a batida?
- O cara avançou o sinal e bateu. Ai capotaram.
- Porra, como que foi isso?
- Batida.
- Eu quero sair desse carro!
- Pense num barulhão! Ouvi lá de casa!
- De casa?
- Meu filho...
- Nossa senhora, esse mundo tá assim mesmo.
- Olha o ônibus passando...
- Caramba!
- Nossa!
- Todo detonado o carro.
- Ai, ai, ai!
- Calma!
- Meu pé!
- É o vidro, cuidado!
- Ele tá querendo ir embora!
- Deixa ele sentado lá! E o peito?
- Minha perna aqui, ó...
- Opa, calma, sou médico!
- Médico!
- Aqui, a perna...
- Sei, vamos ver...
- Policia!
- O que foi que teve?
- Batida.
- Morreu alguém?
- Não.
- Meu peito tá doendo também.
- Graças a Deus, né?
- Meu Jesus, que coisa feia.
- A senhora tá sentido dor em mais algum canto?
- Não, só na perna.
- A ambulância já vem... E o senhor?
- Cuidado que tá cheio de vidro ai.
- Ai!
- Tou tonto.
- Fique sentado.
- Meu deus!
- Aqui, ó! Doutor!
- Como foi isso, hein?
- Olha o carro passando!
- Doutor?
- Alô? Mãe? Teve batida aqui.
- Tá sentindo dor no peito?
- Sim.
- Ele tava errado, passou o sinal.
- Essa avenida é muito perigosa.
- ... Um dia desses mataram dois ali.
- Olha a ambulância chegando.
- ...Cheio de coisa no chão.
- Tinha uma bolsa ali.
- Minha cabeça tá doendo.
- Ai!
- Puta merda.
- Com licença, com licença.
- Sorte que não caiu ali.
- Aqui, ó.
- Fique deitado.
- Mauricio!
- Opa!
- Vamos já tirar a senhora daí.
- Abre a porta direitinho... Isso! Olha a mão, olha a mão!
- Quero ir embora.
- Vamos para o hospital.
- Ainda bem que não dirijo.
- André, escroto, e a vida?
- É mãe, tá tudo bem, todo mundo vivo.
- Olha o trânsito, olha o trânsito.
- Pense numa coisa feia.
- Minha perna!
- Olha a maca!
- E ai, vai fazer o quê hoje?
- Vou ter de ficar muito tempo no hospital?
- Caramba, tá tudo quebrado.
- No meu tempo não tinha disso não.
- Ei, como foi isso?
- Batida. Parece que veio bêbado.
- Quem?
- Eu ia pra uma festa, mais ai teve isso.
- Senhor, sua carteira caiu.
- Ai, ai, ai!
- Policia!
- Calma, dá tempo de fazer tudo.
- Qual a boa de hoje?
- Ai! Ai!
- Pronto, vamos andando.
- Alô?
- Bota ela na maca direitinho.
- Venha meu senhor.
- É, né? Ai ela disse que ia embora hoje!
- Porra!
- Pronto, lá vai.
- E os documentos?
- Quero ir embora.
- Já vou, mãe, já vou.
- Rua perigosa, essa. Eu moro bem ali. Já vi tanta coisa feia. E sempre tem batida. Sempre.
- O que foi que teve?
- Batida grande. Olha o carro como ficou? Esse povo não sabe mais dirigir, não liga mais pra nada. Ai dá nisso.
- Mas a festa é onde?
- Cuidado!
- Porra, olha isso...
- Sei lá.
- Lá no Walmir. Vamos?
- Vamos.
- Danou-se.
- Tá, tou indo.