O POVO BREVE

De entre todas as histórias que contei como Contador de Histórias Orais no Ateneu e na Biblioteca Municipal de Coimbra, esta ocupa um lugar muito especial. Já contei coisas mais espectaculares, com mais ideias, com mais sumo, mas esta história...Ocupa um lugar muito especial em mim, tanto como contador como escritor. Cada vez que a narro faço tal com imenso carinho, imensa ternura, mais do que o habitual. Não me perguntem porquê, não o sei, sei apenas que amo esta história como se ama alguém próximo, alguém que faça parte de nós.

Pois há amores que não possuem explicação, são isso, amor, imenso amor...

Há muitos, muitos anos havia num lugar esquecido de tudo e de todos um povo pouco comum, estranho, docemente estranho, era o povo breve.

Caracterizava-se acima de tudo por ter uma esperança média de vida de vinte anos, ao passo que a maioria dos outros povos vivia bem mais. Por isso tudo neles era relativamente rápido, se comparados com outros povos. Assim, os bebés nasciam e tinham um desenvolvimento bastante mais rápido, pois aos primeiros dias começavam a falar e ao fim do primeiro mês já andavam, e ao fim do primeiro ano já iam para a escola. A adolescência surgia pelos 6 anos, e tudo era de tal ordem rápido que a saída de casa dos pais se dava normalmente pelos 10. Os filhos chegavam aos 11, e os netos aos 18, a reforma por volta dessa altura e uma morte natural de velhice aos 20 anos.

E tudo neles era de facto rápido, pois por exemplo as relações amorosas mais sólidas duravam apenas alguns meses ou, no máximo poucos anos. Não que eles não amassem da mesma maneira que nós, eles amavam, eles sentiam, mas como também sentiam que a vida lhes escapava por entre os dedos, eram muito mais intensos e viviam muito mais aceleradamente, num turbilhão de sentires de sentimentos, absolutamente vertiginoso. De certa forma o amor neles era mais genuíno do que em qualquer outro povo da terra, pois como eles sentiam o tempo a fugir, amavam com uma intensidade sem paralelo na história humana, agarravam esse amor com toda a sua força e vontade, desfrutando-o plenamente, aproveitando cada segundo, cada minuto, cada dia, como se fosse o último, porque de facto o era, não perdendo tempo com rodeios, com rodriguinhos, com “jogos de pavão”, tão típico de nós. Eram mais objectivos, mais concretos, e por isso mesmo mais felizes.

A sua civilização, foi por isso meteórica – evoluíram da idade da pedra à idade das Estrelas num ápice, conquistando a terra e o céu tão rapidamente como viviam, sendo por isso a sua memória também curta, sendo por isso que tudo neles era vão, vago, sendo por isso que desapareceram sem deixar rasto, sendo por isso que nunca ninguém ouviu falar neles, a não ser eu e a minha imaginação que nestas breves linhas presto homenagem ao meu povo,

O povo breve

Miguel Patrício Gomes
Enviado por Miguel Patrício Gomes em 27/04/2009
Reeditado em 11/05/2014
Código do texto: T1562176
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