Era meia-noite numa cidade qualquer…

E havia um desejo incontido, reflectido nas luzes da avenida sem fim, duma cidade sem fim…Eventualmente teria, mas nas minhas deambulações nunca calhou atingir os seus limites, e por isso para mim ela era infinita, tal como era infinito o desejo ardente no corpo de uma mulher, no âmago de um homem, num bar algures entre os milhares de bares da mega-hurbe…

Noutros bares, ou se calhar naquele mesmo, os beijos confundiam-se com o bailado de copos, e do fumo de cigarros, escondendo segredos, sublimando histórias de um possível amor, que apesar da multidão anónima eram por demais nítidos e perceptíveis, tanto que lá estavam, lá estavam disponíveis desejando o troco, disponíveis para o que viesse, para o que no futuro risível vir, ecos temporais ou meros suspiros dicotómicos?

Confesso que nunca o virei a saber…

E Meu Deus…As palavras, tantas, biliões, triliões, incontáveis palavras que pululavam este mundo que era incapaz de viver em silêncio, palavras em sonhos de quem estava a dormir, palavras que consumiam aqueles tocados pela Semi-Deusa Insónia (Pois se Morfeu é o Deus dos sonhos, porque não haver o seu equivalente feminino, num exercício mais Herético do que meramente estilístico, isto para os puristas ou apóstolos do monoteísmo…), Insónia que consumia os seus acólitos, que sabendo, se recusavam a saber alcoolicamente para onde deviam ir…

Enquanto Eu…Sim, o inevitável protagonista final deste tipo de histórias…

Eu…?

Eu era um misto de tudo isto, escrevendo, ou tendo vontade de escrever, cartas inexistentes, ou histórias sem uma destinatária aparente (mas que Tu sabes que és Tu, sempre Tu…), amando-te ao mesmo tempo, desalmadamente, ardentemente e até insanamente, ou pelo menos fazendo por tal…Tendo uma premente vontade de te ver, de te ouvir, mas depois de ganha a confiança e visto o final da garrafa, liguei-te, com número anónimo (pois sabias bem demais o meu…), deixando que atendesses, que perguntasses que era, não respondendo eu (pois a coragem estava na outra garrafa que devia ter comprado, mas que repousava agora na loja aberta a noite inteira, à espera de outro caso de desamor que a consumisse) deixando essa voz que amava mais do que tudo no vazio, pois temia que ao falarmos, tudo o que de mau tinha existido, viesse ao de cima, pois acima de todas as coisas deste e do outro mundo, temia, ao falarmos poder te perder para sempre…

Era meia-noite numa cidade qualquer…

Miguel Patrício Gomes
Enviado por Miguel Patrício Gomes em 24/03/2009
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