O Bife
Aquela foi a primeira vez que minha mãe se atrasou para me buscar na escola. Meia hora e ela ainda não havia chegado.
— Venha com a gente. Você pode almoçar no restaurante da minha mãe — uma das minhas colegas me convidou, mas eu não queria. E se minha mãe chegasse neste ínterim?
Mas não teve por onde e acabei cedendo quando a mãe da colega disse:
— Você pode ligar pra sua mãe de lá.
Liguei, mas não tinha ninguém em casa.
Eu estava com pressa e quando me foi oferecido um bife, logo aceitei:
— Como você quer? — perguntaram.
— Como assim?
— Bem passado, mal passado...
— Mal passado — tudo para apurar as coisas.
Só que o bife que me trouxeram não era apenas mal passado, veio mugindo, como se diz por aqui. Assim que enfiei o garfo, o prato se encheu de sangue. Nojo!
— Não está bom o seu bife? — a mãe da colega perguntou.
— Acho que prefiro bem passado — respondi. E lá voltou o bife pra cozinha e demorou vários minutos para retornar. Uma sola preta e esturricada.
Enfiei o garfo e tentei comer aquele carvão. Intragável. Mas me esforcei e o comi pela metade, por fim, levantei-me e me despedi, ansioso.
— 'brigado, mas minha mãe deve estar preocupada!
Ela estava sentada na sala, esperando-me.
— Bonito, hein! Fui te buscar e você não estava na escola...
Tentei me explicar, contando toda a história, mas ela apenas me abraçou e disse:
— Fiquei preocupada. Não faça mais isto! A pressa é inimiga da perfeição. Eu demoro, mas chego.
Da segunda vez que minha mãe se atrasou, tive paciência e esperei. Por uma, duas horas. Ela não veio. Quem apareceu no lugar dela foi minha tia, que segurou em minhas mãos, agachou-se diante de mim e, com os olhos vermelhos, me encarou.
— Tudo vai ficar bem, confie em mim... Sua mãe morreu. Acidente de carro num sinal vermelho.
Naquela tarde, não teve bife, nem mal nem bem passado, somente a minha preocupação comigo e com minha irmã, se ficaríamos com vovó, ou se terminaríamos num orfanato. Sem pressa por uma resposta, porque o futuro é inimigo do passado, o fim das lembranças.