Cidades...
Vivíamos quase sempre assim, e assim perdemos a capacidade de imaginar outra maneira de viver, mas por fim o mais temido, o mais evitado dos destinos aconteceu: as cidades começaram a apodrecer lenta, mas seguramente, adivinhando uma decadência que ninguém queria admitir, mas que ninguém poderia evitar, pois era já tarde demais.
Claro que uma enorme série de ideias e belos projectos (para não variar...) inovadores procuraram desmentir o indismentível, em vão, porque por muito que se tentasse revitalizar os grandes espaços, eles continuaram a sua caminhada inexorável rumo ao ocaso. As luzes brilhantes que sempre as caracterizavam, e que as faziam das poucas construções humanas a serem vistas do espaço, ficaram cada vez mais murchas, baças, mais fúnebres, lançando uma tristeza muda sobre os grandes corpos urbanos. Mas se as cidades eram a máxima realização humana, a sua decadência significaria o fim humano? Ninguém sabia responder, quer consciente, quer inconscientemente a esta pergunta, mas duma forma subliminar talvez o soubessem, porque muito lentamente essas cidades começaram a ficar vazias, num êxodo quase invisivel, nunca assumido, pois quem o fazia desculpava-se com a procura duma vida mais saudável nos campos, sendo a migração não de poucos milhares mas de milhões, até que a falta de gente acabou definitivamente com a sua agonia, transformando-as em corpos gigantescos onde apenas viviam uma mão cheia de mendigos e marginais, mas só durante algumas gerações, o tempo que demorou a esgotar os despojos ainda dentro delas. Paralelamente os poderes mundiais acabaram por se render à evidência dos seus cidadãos, dissolvendo-se por seu turno e pondo assim um ponto final à civilização.
Talvez fosse um sinal divino, ou talvez fosse apenas um prelúdio do fim, o que é certo é que voltámos ao local onde tudo começara.
E as cidades morreram assim silenciosamente, sem glória, obrigando-nos a sair desses mundos que estavam a apodrecer, acabámos por deixar esse lugar de hipertecnologia moribunda, regressando aos campos, aos bosques e florestas, onde começámos tudo de novo.
E as gerações dos homens passaram, apagando das novas a memória de outros tempos, de outras socializações, as gerações passaram tal como as estações, lentamente como se passava no campo, e a humanidade aprendeu a viver numa calma esquecida á muito, pautada não pelo brilho dos néons mas pelo caminho do sol e das noites sem a interferência do homem. Redescobriram-se assim velhos prazeres, pequenos enormes tesouros escondidos na natureza impoluta, como o nascer duma planta ou o espectáculo dum campo que mudava radicalmente de cor a cada nova estação, e assim lentamente fomos vivendo, descobrindo alegremente que afinal não estávamos a morrer, fomos crescendo e prosperando, criando um mundo novo onde acabámos por construir novas cidades.