O sortilégio do Adeus

    Todas as pombas voltaram quando desabrochou a flor de sangue.
    Eu as vi quando desceram ao meu coração como uma nuvem branca, como uma alva nódoa, no céu cinzento da madrugada de angústia.
    Vi-as chegando da distância  batendo as asas cansadas.
    Infância. Pureza. Paz.
    O coração alegrou-se de arrulhos de velhos idílios, só porque desabrochou a flor de sangue.
    Os sinos da manhã tocaram alvíssaras e as sombras recolheram-se aos buracos da terra.
    Já não importa quantos personagens eu fui, agora só existe a flor de sangue.
    O sol voltou a ser fonte de vida e as sementes que estorricavam no desalento germinaram outra vez.
    Compreendo, enfim, que a morte é o grifo da vida porque limita, situa e destaca aquilo que foi.
    O dia hoje deixou de ser o momento que passa e se perde no esgoto, porque a flor de sangue aqui está, marcando o fim do caminho. Eu vi quando aquelas pombas brancas voltaram, a mancha branca crescendo, crescendo no céu cinzento da madrugada. Participo do mundo e o mundo existe somente porque a flor de sangue desabrochou. Sou consanguínea de Deus.  Devolvo ao espírito a dimensão do pulso.
Flávia Melo
Enviado por Flávia Melo em 04/03/2009
Reeditado em 04/03/2009
Código do texto: T1468668