O que seria se não fosse o que é...
"Quem não arrisca não petisca!", repetia o amigo malandreado enquanto Astolfo uma vez mais se lamuriava por ser invisível à moça bonita da biblioteca.
"Ora, se imponha, rapaz! Convide-a para um baile, faça a corte que uma senhorita de fino trato merece", aconselhava o vetusto professor de Cálculo 3, orientador do rapaz e de quem se falava ser tão antigo que figurava no numerário de patrimônio da universidade.
A verdade é que, noves fora as vozes da ousadia e da experiência, o estudante de Física não encontrava atalhos para chegar ao objeto de seu interesse. Sempre que seu peito se intumescia de ânimo, por qualquer obra do acaso que o fazia acordar com mais coragem naquele dia, o caminho a levá-lo à bibliotecária parecia contradizer as leis da ciência. O tempo se desdobrava em mais segundos do que um minuto pode comportar; os metros se fragmentavam em uma pletora de partes intransponíveis, transformando algumas dezenas de centímetros em uma trilha olímpica. E, quando finalmente alcançava o balcão no qual se apoiavam aqueles cotovelos de veludo alvo, tremia ante o sorriso mavioso da amada, sem conseguir formular a pergunta decisiva: "Vo... Vo... Você sabe se já devolveram aquele livro de Física Quântica?"
Certo dia, o tímido acadêmico leu no jornal que, para uma combinação romântica perfeita, o ideal seria ter o homem menos beleza que a mulher. Os estudiosos garantiam que era essa a fórmula para um relacionamento duradouro e feliz. Credenciado pela informação cientificamente comprovada, encheu-se de entusiasmo. Ajeitou os óculos de cinco graus de miopia, conformou a calça ao abdômen protuberante, penteou os cabelos meio encrespados e foi à refrega denodado.
A moça organizava umas fichas de livros e nem percebeu a aproximação de seu possível príncipe encantado. Prontamente, ele soltou: "Se eu te convidasse para ir ao cinema, você aceitaria?"
Entretida com a tarefa, a bela ergueu os olhos discretamente e respondeu: "Não." E voltou a trabalhar.
Ainda suando frio, Astolfo pensou que o amor não é como ciência exata, decerto; mas que tem seu grau de previsibilidade, ah, isso tem! E saiu da biblioteca imprecando coaxos contra seus incentivadores, a quem agora poderia dizer, com ar de superioridade: "E eu não tinha razão?"