Maria Amélia
, envolvida no brilho dos olhos - marca indelével e luminosa criando esta presença impregnada de vitalidade e frescor, para além da idade - vê quatro desconhecidos aproximando-se cautelosos, atraídos pela cena que acabara de instalar. Convida um a um a compartilhar o que tem a oferecer, banhando-se em alegria contida, ao aceitarem. Desejam-se boas festas, tímidos, pois ninguém sabe quem é o outro; sentam-se no chão e começam a se servir, do sabor da comida brotando suspiros de satisfação, troca de olhares e sorrisos. Quando a moça alta e magra, olhos azuis e saia florida propõe, entre expectante e atrevida -“Que tal cada um de nós contar uma história?” Ora, se ao ali chegarem eram pobres gatos pingados, reunidos formaram um bando, inesperado calor no qual se aconchegam. Ao embarcarem desprendidos no contar e ouvir uns aos outros, contribuem para que a formalidade entre eles se esgarce mais um tanto. O homem vestindo o terno cujo talhe amplo e profundo constata não ter sido feito para ele, se precipita: “Numa véspera seca de natal um jovem solitário esperando algo acontecer olha pela janela e vê a silhueta de dois gatos, um preto e um malhado, deslizando pela rua como se escorregassem um do outro. Sai, batendo a porta da casa atrás de si, e como se o aguardassem os gatos o chamam com o olhar, atravessam a rua e entram no parque, conduzindo-o a uma mulher rechonchuda e ruiva que, numa pequena clareira, distribui em toalha estendida no gramado, frango assado e farofa, ovos cozidos, maçãs, torta de nozes, duas garrafas de chá, empilhando pratos e copos de papel, pois...” - o narrador engasga com a saliva e em sua exaltação, uma brisa perfumada e inquieta se junta à orquestra de animais noturnos e farfalha, soprando flores e folhas secas para o colo de um homem de bastos cabelos negros, o qual, espantando o encantamento se encadeia à narrativa - “... não querendo estar sozinha na véspera do natal a ruiva improvisa uma ceia no parque, sem passar perto de alcançar o que viria se seguir, então”...