Cansou de ser Amélia

Casou-se ainda menina-moça, sempre se dedicou à casa, marido, filhos, cozinhar, limpar.

O marido, só lhe pedia favores, sem elogios, sem um agrado, um obrigado ou um beijo marcado. O tempo para si, sempre vinha depois e ela, nunca o tinha. Nem se lembra quando é que ficou doente a última vez.

Os filhos, ah! Com tantos compromissos chegavam para comer, se arrumar para sair e dormir.

Vivia, dia após dia, assim, a espera de que algo diferente acontecesse.

Nas raras vezes que saía de casa, passava em frente a um salão de beleza na rua em que morava e via mulheres se arrumando, saindo com sua auto-estima inflada, sorridentes, como se guardassem um segredo.

Hoje, após 30 anos de matrimônio, a mulher tirou o avental, abriu a lata decorada de biscoitos que guardava no fundo do armário, pegou todo o dinheirinho que poupava quando sobrava da ida matinal à padaria e, sorrindo como que para si mesma, resolveu entrar no salão, como se fosse à descoberta de um mundo diferente.

Passados 30 minutos, chega correndo um vizinho que raramente lhe cumprimenta quando a encontra varrendo a calçada e diz, todo ofegante:

_ Senhora, seu marido está tendo um infarto, vim aqui lhe chamar.

Com muita calma ela responde:

_ Agora estou arrumando os cabelos, pede para ele esperar.