Vingança
Vingança
Acordou no chão. Entre cacos, entre rastos, entre sombras, entre ondas de desilusão. Maquiagem escura nos olhos, noite sombria sobrevivida, gosto de sangue na boca.
Levantou-se em dores novas e antigas, doídas num desagradável replay. Mais outra vez. Respirou fundo e decidiu: “Daqui pra frente será diferente.” Sacudiu a poeira e os cacos. Escondeu seus temores enxugando os olhos. Ergueu a cabeça, passou os dedos nos cabelos... “Ele não me tocará de novo!”
Foi a cozinha e ele estava lá. Sentado à mesa, “nada aconteceu...” destilava aquele olhar cínico.
Calada. Engolindo pelotas de sangue e de raiva, com dificuldade, chegou à bancada da pia. Não podia encará-lo. Doía-lhe mais se o fizesse. A faca já a esperava. Segurando-a com firmeza amolava-a na quina de mármore da pia. Com paciência, com ódio, com precisão, lançando sobre a lâmina toda a ira que os golpes sofridos a permitia lançar.
Viu seus olhos no metal, levemente apertados, como quem planeja algo ilícito e um sutil sorriso, molhado à represália, que refletia do seu, então, punhal.
Imaginou o que sentiria se fizesse e se ele sentiria se ela conseguisse. Pensou na sensação de alívio. Na lavada que sofreria sua alma. Na satisfação que lhe causaria cortá-lo, subjugá-lo, abatê-lo. “Maldito!”
A vingança perfeita que o medo a fez convergir ao frango congelado, que já suava frio, sobre a bancada.
O jantar foi servido pontualmente... Como sempre...
Adriana Kairos