Reflexões de um defunto
Estava ali, aquele velho enrugado, deitado no caixão. Sua boca pálida parecia esboçar um sorriso de deboche aos que ficavam e insistiam em cercar o seu corpo cansado.
“Foi um grande homem”, repetiam os parentes e amigos.
“Foi um ótimo pai”, dizia a filha mais velha, enquanto a mais nova não se manifestava.
“Foi um generoso freqüentador da igreja”, dizia o Padre, com ares de quem sofria mais pelos donativos recebidos aos domingos do que pela morte do pobre homem.
De dentro do caixão se percebia melhor o quanto as pessoas sabem e gostam de ser hipócritas. Em vida, jamais ouviu palavras tão dedicadas e amáveis. Jamais recebeu um afago na testa ou uma oração com boas intenções.
Mas não importa. Ele sorri com ares de deboche, afinal, essas pessoas ficam.