Reflexões de um defunto

Estava ali, aquele velho enrugado, deitado no caixão. Sua boca pálida parecia esboçar um sorriso de deboche aos que ficavam e insistiam em cercar o seu corpo cansado.

“Foi um grande homem”, repetiam os parentes e amigos.

“Foi um ótimo pai”, dizia a filha mais velha, enquanto a mais nova não se manifestava.

“Foi um generoso freqüentador da igreja”, dizia o Padre, com ares de quem sofria mais pelos donativos recebidos aos domingos do que pela morte do pobre homem.

De dentro do caixão se percebia melhor o quanto as pessoas sabem e gostam de ser hipócritas. Em vida, jamais ouviu palavras tão dedicadas e amáveis. Jamais recebeu um afago na testa ou uma oração com boas intenções.

Mas não importa. Ele sorri com ares de deboche, afinal, essas pessoas ficam.

Raquel Corrêa
Enviado por Raquel Corrêa em 14/12/2008
Código do texto: T1334824
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