ELE SOBREVIVEU ÀQUELAS LÁGRIMAS

 

Brasília, 30/09/2008


Ele estava triste. Ficou desolado da vida a questionar-se sobre os fundamentos da vida. Que vida era essa, cujo alimento mais precioso que o servia era à base de dor e sofrimento. Aliás, dizem os sábios, que é nesse enleio que a vida se fortalece, na ranhura das farpas que entranham na carne que ela se torna mais resistente, forte e sobrancelha. Que intempéries e desolações daquele moço. Era um estudante medíocre, disso não havia dúvida, mas não era pra menos, pois que comera o pão que o diabo amassou e o gosto do fermento infernal ainda podia sentir nas glândulas salivares. Ninguém estava nem aí pra ele, que definhava num corredor enorme, onde circulava gente por todo lado, lá estava ele sentado no banquinho encravado num canteiro central de um jardim que passavam entre os prédios que formavam o minhocão da Universidade de Brasília.


Aquela prova foi a gota d'água. Talvez a gota d'água da prova que provou a própria incompetência de si mesmo diante dos desafios e cobranças do mundo, na insípida incapacidade de encontrar as soluções para aqueles problemas. O professor, que parecia o almirante Nélson, um homem vermelho, alto, gordo, com um ar ranzinza, com curvas na testa, mais aparentava um cruel carrasco nazista, a interpelá-lo, no estúpido convite para que se retirasse daquela famigerada aula de lógica simbólica. Que símbolos são esses que remetem a um significado lógico, incompreensível num primeiro momento, mas cujas relações, uma vez realizadas, poderiam propiciar um universo significante? O que significava aquilo àquele jovem rapaz? Ele não queria outra coisa senão ser um como os outros, com amigos e namorada. Quem sabe até conseguir um emprego e ter dinheiro pra tomar um milkshake. Mas era só um pobre estudante, filho de costureira e mecânico, numa universidade de ricos, filhos de juízes e deputados. E ainda vestia roupas simples e tinha traços de negro.


Naquele pungente e deselegante convite o professor que parecia o almirante Nélson aniquilara o rapaz.

- Retirem-se da minha turma e peçam trancamento de matrícula aqueles alunos, cujas provas tenham uma anotação especial no canto direito. Esses alunos não têm capacidade para frequentar minhas aulas. Vocês não entenderam nada! Declarava o professor, em tom arrogante e humilhante.


Então o rapaz, envergonhado, pois os amigos que sentavam ao lado viram que se tratava de sua prova, engoliu o atrevimento. Quis falar algum impropério ao professor, mas preferiu tragar a sua dor e vergonha. E, ao se levantar, percebeu que somente ele tinha a anotação na prova, e todos o olharam, com um misto de pena e orgulho, por ter sido o outro a não entender as baboseiras lógicas das aulas do professor que se parecia com o almirante Nélson. E o rapaz, valente, altivo, orgulhoso por sua atitude, olhou nos olhos do professor, como a querer dizer, mas não disse: - “você também é parte desse fracasso!”, olhou, enfim, para os colegas de sala e saiu, sem dizer uma palavra. Tudo que ele queria era um ombro, ou quiçá um ouvido para escutar suas razões.


Descobriu, aquele rapaz, por fim, na angústia e solidão daquele jardim, que a deusa que governa a psicologia, regia com mais força o destino dos homens, em face da pequena e frágil realeza racional da lógica simbólica. Afinal como disse Einstein: "Um raciocínio lógico leva você de A a B; a imaginação leva você a qualquer lugar que você quiser". Ele sobreviveu àquelas lágrimas.

 

Roberto Dourado
Enviado por Roberto Dourado em 30/09/2008
Reeditado em 20/10/2008
Código do texto: T1204037
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