A MORTE É SÓ UMA TRAVESSIA...
Jully amanheceu com um sentimento tão estranho, meio ansiedade, meio saudade, sei lá...
Levantou cedo, olhou o relógio, 5:30, seguie para o banheiro em passos lentos, procurando despertar por completo, mas seu desejo era continuar na cama, havia tido mais uma noite insone, tem sido muitas desde a morte de Ruan.
Faz já um ano, e Jully ainda espera que ele venha, que chegue na hora costumeira, que deite ao seu lado na cama, que lhe prepare o café da manhã, que lhe surpreenda no escritório.
Hummm, o escritório..., tem estado uma bagunça total, Jully não consigo me concentrar em nada, vê o tempo passar sem interesse, até tenta mais desiste antes mesmo sem começar.
Enquanto deixa a água correr sobre seu corpo, relembra de momentos vividos, momentos alegres, que não voltam mais, lágrimas se misturam com a água e rolam em seu rosto sem resistência.
Após se vestir, sem nem um cuidado especial, sai para o trabalho, no entanto seu pensamento voa longe, sige pelas ruas e avenidas sem ver nada, seu corpo apenas age mecanicamente.
No escritório, encontra Anne sua secretária há três anos, que lhe deseja bom dia, apenas meche a cabeça e entra em sua sala...
Anne é muito competente e se tornara amiga confidente de Jully, alguns anos mais velha sempre se considerou “exper” em matéria de relacionamentos, mesmo tido muito poucos, adorava se meter, dar conselhos, mas Jully não se importava, até achava divertido, porém ultimamente se afastara de todos, se fechara, como uma concha. Anne a segue com uma serie de recados, e com a agenda do dia, Jully não houve uma só palavra dela, até que um uma palavra lhe chama a atenção.
A missa de uma ano de Ruan...
RUAN ... conheceram-se na faculdade, coisa de doido, parecia assim... premeditado, destino sabe... ela se apaixonou imediatamente pelos lindos olhos dele... Ruan era moreno, corpo escultural, olhos acastanhados, fortes, profundos, boca carnuda, bonita, sensual, e o sorriso, Jully não conseguia resistir aos sorrisos de Ruan, mesmo quando estava chateada... apesar da beleza não era popular, não que não merecesse, ao contrario, muitas vezes era convidado para desfiles e apresentações, mais nunca aceitava, não gostava de popularidades...
Jully também tinha sua beleza, e era mais popular, pois se enturmava com todos, desde calouros aos veteranos, sempre simpática agradava a todos, ou pelo menos tentava.
Nunca dizia não, sempre estava disposta a ajudar, a ser prestativa, trabalho que lhe custava muito, visto que muitas vezes se prejudicava para ajudar outros.
Desde que vira Ruan não conseguia esquece-lo, virou quase que obsessão procura-lo com o olhar quando estava na faculdade, ou mesmo em lugares públicos, mas mantinha esse sentimento em segredo.
Algum tempo se passou até que ambos descobrissem o que sentiam, e que era recíproco, a partir de então, tudo virou cor-de-rosa, ou melhor azul que era a cor preferida dos dois.
Estavam juntos sempre que possível, como gostavam das mesmas coisas era comum encontra-los a beira-mar, ou envoltos em leituras, ou ainda ouvindo som, cada um na sua, mas sempre juntos.
Casaram-se e viviam um para o outro....
Parecia que a vida só destinara coisas boas para o casal... e mesmo quando surgia algum problema estavam sempre a sorrir, sempre unidos, ciúme, não existia, desconfiança, não conheciam, tudo era flores... até que...
Ruan nascera em família pobre, mas conseguiu superar as dificuldades, se tornando bem sucedido financeiramente, quando criança havia sofrido um acidente e lhe causou um grande doença que por muito tempo cresceu em silencio em seu organismo.
Algumas vezes sentia-se mal, mas sempre atribuía a cansaço físico, stress do dia-a-dia.
Jully muitas vezes já o aconselhara a procurar um médico, mais ele não se dispunha, não gostava de hospitais, mais...
Um dia Ruan acordou completamente desabilitado, a febre era tão alta que parecia que os olhos lhe saltariam da órbita, tinha delírios e convulsões, Jully em desespero levou-o ao hospital.
Passaram-se horas ate que um médico veio falar-lhe:
- fase terminal!!! Resta-lhe pouco tempo.
Jully nem teve reação, olhava para o médico como se fosse um fantasma, como se não tivesse entendido...
Entrou no quarto do hospital, Ruan estava sereno, a febre e as dores acalmaram por causa dos remédios, ele estava sonolento mais acordado.
Viu-a se aproximar assustada, Ruan estende a mão a Jully e sorrindo disse-lhe:
- não se assuste, eu nunca vou te deixar, só vou atravessar o rio, ir pra outro plano, mais jamais te deixarei... eu amo você.
Pouco em seguida Ruan dá seu ultimo suspiro
Desde então Jully sofre em silêncio a perda de seu grande amor... e hoje faz um ano.
Jully que após ouvir Anne falar de Ruan entrara em um torpor de lembranças, desperta, levanta-se, e avisa a secretaria:
- cancele todos os compromissos.
Seguiu para o cemitério, precisava ficar perto dele, de seus restos mortais ao menos, desejava senti-lo, ouvi-lo nem que fosse uma vez mais...
O cemitério estava vazio, um tanto melhor pensou Jully, assim ficamos a sós falou para o silencio, como se Ruan estivesse ali. Sentou-se na grama e conversava com a sepultura de seu marido, lamentava sua ausência, chorava suas dores sobre o túmulo, e adormeceu,sentindo uma leve brisa em seus cabelos.
Ouviu sussurros, palavras de carinho, a voz de Ruan em seu sonho. Olhou para todos os lados pensando ser outras pessoas, alguém querendo brincar com ela, mas não havia ninguém. Fechou os olhos e outra vez ouviu, agora mais forte, mais presente.
- minha querida, não sofra por mim, estou sempre ao teu lado, até sinto tua dor, porque estou dentro de você, no coração. Viva. Viva por nós dois, seja feliz novamente, porque só assim descansarei em paz. Se você sofre não consigo ir, você precisa me deixar ir, precisa me deixar fazer a travessia, e então irei descansar. E te esperar na eternidade.
Ruan beijou-a de leve a face e sumiu.
Jully despertou em seguida com um misto de calma e liberdade na alma. Olhou mais uma vez para foto sobre o túmulo e partiu. Já não se sentia sozinha, e nem a solidão que a acometerá há um ano, dirigiu para igreja, para a missa de Ruan, já não tinha o ar perdido, tristonho, sabia que não estava só, que Ruan precisara ir, e que estava bem... pensou: tenho que voltar a viver...
E para si falou:
- sim, voltaria a ser feliz.