Tributo às baratas
A quinta história chama-se “Leibnitz e a Transcendência do Amor na Polinésia”. Começa assim: queixei-me das baratas.
Sim, mas queixo-me mesmo da ausência delas. Após ostentar secretamente a placa de virtude da dedetização, sinto falta das baratas. Elas, que davam uma importância a mim mesma, – o assassinato é um ato de glória de per si - não existem mais. E, por conseqüência, meu ritual também não.
Mesmo um mestre Pangloss Voltairiano soprando ao meu ouvido que tudo está bem, tudo vai bem, tudo vai da melhor maneira possível, eu tenho que discordar. Necessito das baratas.
É porque tive uma epifania de trancendência do amor nesse período em que dedetizei minha casa e fui pra Polinésia. 3 dias. Uma tríade: pena-compaixão-amor. Sinto amor pelas baratas, estas que me davam um objetivo noturno, que estabeleciam uma relação entre organismos vivos e tremeluzentes entre o eu e suas massas brancas.
Tirei um pedaço de minha casa, de meu corpo, de minha rotina. A insônia minha de cada dia parece ter se intensificado. A culpa invade minhas sinapses e incorpora à serotonina. Matei baratas, sou assassina e virei uma estátua. Calcifiquei-me e a asfixia toma conta de minhas noites. Ah, as noites, a batida do mar há 50 metros de minha janela, insônia e...baratas. As baratas que não existem mais, ectoplasmas baratianos cercam o meu corpo. Ou pior: a minha mente. Vejo tudo marrom. Escuro. Baratas. Morte das baratas. Insônia. Culpa pecaminosa de uma escrivinhadora.
Não, Leibnitz. Agora não tem mais espaço para as suas utopias. Que François-Marie Arouet venha e o enterre com o seu cândido otimismo irônico. Em nome das memórias de minhas baratas mortas.