Palavras Vermelhas, Texto Azul - Crepúsculo de Inverno
Ah, como foi boa a época de faculdade! Falando assim posso parecer um ancião falando de seus "bons e velhos tempos", mas a verdade é que concluí meu curso de Publicidade e Propaganda no ano passado.
E que tem isso a ver com o conto que estou publicando? Bem, o conto, na verdade, saiu de uma aula!
Aulas de publicidade são interessantes por isso (nem todas, é claro, verdade seja dita!), pela possibilidade de se exercitar a criatividade em sala de aula, de "viajar", mesmo. Mas vamos ao que interessa.
Primeiro dia de aula, terceiro ano. Entra na classe um professor com o qual ainda não havíamos tido aulas, justamente aquele com fama de ser exigente demais. E já entra dando a ordem: "Peguem papel e caneta. Tenho um desafio para vocês."
"Escrevam agora, na folha de papel, dez palavras vermelhas. Isso mesmo, dez palavras que transmitam a sensação de vermelho, que os façam pensar nesta cor."
Sem saber muito bem o porquê de tudo aquilo, escrevi:
Maçã / Coração / Sangue / Cereja / Inferno / Pôr-do-sol / Rosa / Rubi / Calor / Lábios
Após algum tempo, com ar de satisfação, ele propõe: "Agora, façam um texto com estas palavras. Um texto azul. Um texto cuja leitura faça vir, a todo momento, a cor azul na mente dos leitores. Façam um texto azul, com as dez palavras que escreveram. Bom trabalho."
A classe inteira estava muda. Ninguém esperava algo sequer parecido com aquilo! Um texto azul, isso era ridículo. Impossível!
Mas eu achei aquilo tudo genial! Talvez eu fosse (ou ainda seja, quem sabe?) louco, porém me senti pessoalmente desafiado a produzir algo que, se não fosse bom, pelo menos chegasse perto de resolver o desafio que ele propôs. E me dediquei a escrever. O resultado, vem a seguir. Está longe de ser um BOM texto, mas que é azul, isto é!
Crepúsculo de Inverno
Suas pernas doíam mais a cada passo. Era preciso forçar muito seus joelhos debilitados para transpor os inúmeros punhados de neve que se acumulavam pelo chão. Caminhava já há algumas horas pela tarde sem nenhum calor, não sabendo nem mesmo o motivo que o levava a prosseguir. Sua pele estava gelada, os lábios, ressecados. Tremendo, os passos incertos, caminhava sem parar pois, honrado, nunca fora homem de desistir. Olhava às vezes para o solo e às vezes para o céu, agora extremamente limpo, e, divagando, observava as raras nuvens que se metamorfoseavam a todo instante. Uma maçã se tornava uma cereja e, ao adquirir o formato de uma bela rosa, levava seu pensamento instantaneamente para a sua dama dos olhos de safira, hoje não mais do que uma lembrança em seu gelado coração. A antiga espada, cujo grande rubi que a adornava já caíra há muito tempo, agora pendia de seu cinturão, o frio metal fustigando-lhe a pele. Pois ele já fora príncipe, já fora rei, mas se tornou apenas um velho ancião, fadado a caminhar, solitário, pelo inferno de gelo, pondo toda sua esperança em poder rever pela derradeira vez, no céu, o pôr-do-sol, antes que o seu sangue real perca totalmente o azul.
(O cômico de tudo isso foi que o professor acabou gostando do raio do texto, e ainda resolveu ler em voz alta para a classe. Que vergonha, ó céus!)