Divina comédia humana

NARCISA

Ela estava farta das juras eternas de amor que se esvaíam como fumaça. Cansada da triste sina de se afogar em lágrimas, fechou-se para o amor.

Um dia, apaixonou-se perdidamente. Aquele sim era amor definitivo, ela pensava, admirando a imagem refletida no espelho do quarto. Que mulher, que personalidade, que corpo, que alma...

No início Deus resistiu, mas finalmente se rendeu às evidências. Pela primeira vez na vida, Narcisa era verdadeiramente feliz. Num arremedo filosófico, Ele a justificou:

- O Homem não foi feito para viver só... Pena que tantos homens falem sem refletir. Já o espelho reflete sem falar.

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NAS NUVENS

Ela, de Marte; ele, de Vênus. O relacionamento, de lua, cheio de fases. Ele, poeta e ela, a musa de seus versos encantados.

Um dia, a marciana se cansou do blablablá e deixou o poeta.

Foi viver logo com o Luís, cuja grosseria, definitivamente, não era deste mundo.

Deus a compreendeu:

- No princípio era o Verbo, mas um ato vale mais que mil palavras.

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ENCOSTO

Cismou com o espelho, foi rude com o porteiro, esmurrou o caixa eletrônico, gritou com o chefe, bateu boca no trânsito, dispensou o namorado. Chorou, blasfemou, dormiu. No dia seguinte, calma e arrependida, pediu desculpas a todos pelo destempero.

Só Deus Deusculpou: não era ela, era Ele. Precisava urgentemente rever as doses hormonais. Tudo na surdina, sem recall, para a Criação não ficar desmoralizada frente à mulherada.

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ANTES NUNCA DO QUE TARDE

A cinquentona enxuta não havia perdido a esperança no amor. Festa de aniversário, ela faz o pedido secreto antes de soprar as velas do bolo:

- Meu Deus, me arranje um companheiro... Alguém que goste das mesmas coisas que eu e me entenda... Mas nada de delicadeza em excesso: que seja contundente, sem papas na língua e saiba pôr uma mulher no seu lugar.

Clodovil, finalmente, vai se casar.

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Maria Paula Alvim
Enviado por Maria Paula Alvim em 05/07/2008
Reeditado em 07/07/2008
Código do texto: T1066319
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