DO ALTO DO MEU SONHO
Do alto do meu sonho vejo pessoas caminhando, sorrindo, chorando, e algumas vezes, amando. Aqui de cima pode-se ouvir gemidos de prazer e dor, grunhidos de ódio e medo... Pedidos de socorro. A mulher no convento, fingindo-se surda ao corpo que implora prazer, arrepios, e algum gozo doloroso e inesquecível. Suas lágrimas encharcam seu belo e inacessível busto, enquanto o calor entre as pernas cresce, pondo-a louca.
O garoto que espera não sabe o quê, sentando no telhado da casa, olhos fixos no horizonte: é o fim de mais um quente dia de sol embalado pelos violentos gritos da briga entre seus pais, metros abaixo. Vejo também um mendigo, que acompanha com amarga curiosidade o reencontro de duas amigas de longa data: abraçam-se efusivamente, com sorrisos e amabilidades, conversam trivialidades enquanto tentam equilibrar seus pacotes repletos de presentes, roupas, inutilidades e falsa generosidade.
Ouço o anúncio da morte em sirenes que gritam sem parar, e a reverência à vida no choro de crianças que têm seus primeiros minutos num mundo pouco interessado na felicidade alheia. O dia morre, enquanto a noite ocupa seu espaço. Um espetáculo de luzes e vidas descortina-se abaixo de meus olhos vigilantes e tristes. Cada segundo conta uma história, cada minuto, uma vida. A fumaça inebria drogados nas esquinas, e alivia a febre dos convalescentes, enquanto o abraço fraternal afasta a dor de filhos amedrontados e pais inseguros.
Sob meus olhos, cada hora é um mundo de ilusões, decepções, esperanças e júbilo: cada dia nada mais é que o girar da ampulheta da vida. Dor, prazer, gula, medo e sadismo misturam-se em complicadas relações humanas, e o ar continua pesado para a maioria....