O TEMPO VAI FICA A SAUDADE
O tempo passa, a vida corre, mas as lembranças de nossas ações nas vertentes percorridas em nossa trajetória, vão sendo arquivadas em nossa memória. Navegamos pelo mar da existência, até atingir o porto da mossa finitude. Só interrompemos esta viajem quando aportamos baixando a ancora da vida ao finalizar nossa caminhada a bordo de nossa história, na magia dos sonhos, em sonetos que nos alimentam a alma e o coração..
Nossas lembranças sempre vêm à tona trazidas pelos ventos da historia, nas asas de um saudosismo capaz de nos arrancar lágrimas tamanha é a saudade conduzindo-nos de volta no tempo.
Recordo os fatos acorridos na minha infância. Dividindo a saudável liberdade e o direito de ser feliz com meus colegas. Passamos juntos belos e inesquecíveis momentos, sorvendo os perfumes e sabores que a natureza nos oferecia. Momentos esses inigualáveis que a gente nem percebia quão maravilhosos foram.
Na escola da vida sou um eterno aprendiz, cursei apenas o primário, mas tive o privilegio de iniciar meu aprendizado, com dona Maria Guerra, um verdadeiro anjo. Num tempo em que ao concluir o primário estávamos tão aptos e preparados para a vida, como os atuais formandos no moderno ensino fundamental hoje ministrado. Embora eu tivesse recebido aulas de dona Maria, apenas no primeiro semestre de 1950, naquele ano, quando entrei pela primeira vez numa sala de aula. No apagar da luz da brilhante carreira da sábia mestra, ao se aposentar. Suas aulas foram meus alicerce e pilares para a vida inteira. Se hoje a escola de nosso distrito leva seu nome é mais do que justa essa homenagem. Perpetuar sua memória é o mínimo que podemos fazer e mais do que merecido por seu trabalho e dedicação à nossa terra.
Dana Maria se foi e a nós ficou a saudade.
Já corria o ano de 1953. Ano que completei meus onze anos de idade. Cursávamos o terceiro ano primário, nossas aulas eram ministradas numa casa de uma simplicidade ímpar. A primeira construída no povoado, aliás, ela foi à semente que deu origem à formação do vilarejo. À sua frente à rua abria dando inicio à duas estradas saindo do povoado, uma bifurcação em formato de ( Y ) donde podíamos visualizar o tráfego de inúmeros carros de boi, com seu cantico dolente.
Na sala de aula Meus colegas e eu irmanados naquele ambiente pobre, mas muito harmonioso, vivenciávamos ali, uma paz imorredoura, como verdadeiros irmãos, tudo parecia mágico, tamanha a harmonia, o amor e a amizade entre nós era a razão da esperança. O respeito ao professor era mútuo. Um comportamento exemplar. Embora vez e outra ele se comportasse de forma um pouco estranha, psicologicamente.
Cantineira naquela escola nem pensar, tão pouco a merenda, limitando a algumas frutas de épocas que cada um de nós levava de casa. O deposito da água que consumíamos era um pote de barro, tampado com um prato e um copo, ambos esmaltado, era abastecido com água de poço cedida por um vizinho, obrigação dos meninos, mantê-lo abastecido, isso no horário do recreio. Às meninas, ficaram com a tarefa de varrerem a sala e os terreiros.
O curioso é que sobrevivemos, bebendo no mesmo copo enfiado no pote individualmente e dividindo frutas colhidas e consumidas sem nenhum cuidado de higiene sanitário.
Nosso material escolar resumia-se a poucos cadernos, lápis, borracha e caneta tinteiro, um pedaço de papelão denominado mata-borrão fazia parte do material, cuja finalidade seria sugar excesso de tinta quando borrava a escrita. Na capa de um dos meus cadernos, uma ilustração sempre me encantou. Pelo belo cenário de sua paisagem. Uma índia adentrando mar afora tentando alcançar a caravela de Gaspar de Lemos o mensageiro da frota de Cabral que retornou levando a missiva escrita por Pêro Vaz de Caminha, o escrivão da frota de Cabral, notificando o descobrimento do Brasil ao rei de Portugal. Conta uma lenda que a índia se chamava Moema apaixonou pelo marujo Gaspar de Lemos, como ele se negou a levá-la, ela adentrou mar afora até sucumbir engolida pelas volumosas ondas. Nesse mesmo caderno em sua contra capa havia um texto com a letra do hino nacional, escrito por seu autor Joaquim Osório Duque Estrada em 1822. Musicado alguns anos mais tarde pelo maestro e professor Francisco Manoel da silva.
Era nosso dever cívico decorar o hino, para ser cantado na escola nas comemorações e eventos mais importantes de nosso país. Nesse quesito o nosso professor foi brilhante, um historiador com um patriotismo admirável, mas vez e outra surtavam por nada, ai os coitados dos alunos com maior dificuldade no seu aprendizado pagavam o pato.
Certo dia estava um silêncio profundo na sala, todos nós concentrados numa tarefa ministrada por ele. Uma colega de nome Maria, olhando para a estrada exclamou:
-- Uai ondé será que a mãe lá vai?
--Coitada de Maria, mais vermelho que um pimentão, acometido por um de seus surtos psicóticos, o professor avançou sobre ela com um grosso livro na mão e haja cabeças para espancar até destruir o livro. Quatro alunos apenas ficaram livres das pancadas:
(Nenê Paulino, Iraci major, Dezinha e eu) não apanhamos. Em cada cabeça que ele descia o livro, acusava um defeito qualquer portado pelo aluno, a um aluno ele disse apenas:
- e você toma também, sua mão canhota, ele escrevia com a mão esquerda. Encerrada sua seção de livradas nas cabeças, como ele sempre fez após sua demência, debruçou na mesa e desabou em lágrimas, chorou como uma criança. Minutos depois pediu perdão e encerrou a aula. No dia seguinte lá estava ele novamente, manso como um cordeiro.
OBS ilustração: (Acervo do autor
foto retrato falado
a primeira casa de escola
desenho de Edenílson Couto)