O Tesouro do Pirata
Era uma tarde chuvosa, a mãe e o pai, ausentes, trabalhavam em outra cidade. A avó na cozinha preparava um delicioso bolo de cenoura com cobertura de chocolate. Marquinhos, sem outra coisa para fazer, foi xeretar na biblioteca onde o avô descansava, lendo um livro em sua poltrona favorita. O avô Manoel tinha uma biblioteca imensa, mais de cinco mil livros, e ficava no sótão iluminado por muitas lâmpadas e por uma claraboia cuja janela veneziana permanecia quase sempre aberta. Numa das estantes, Marquinhos notou um livro muito velho e grande que despertou sua curiosidade.
— Vô, que livro é aquele na prateleira de cima, perto da claraboia? — perguntou o menino, interrompendo a leitura do avô.
— Marquinhos, qual livro? Tem um monte lá... — disse o velho, olhando na direção que o neto apontava.
— Aquele grande e feio — respondeu o menino.
— Ah! Sei. Aquele livro comprei em um sebo, na última vez que estive em Londres, na casa do seu tio João.
— Vovô, o que é sebo?
— Sebo é o nome que se dá a uma loja que vende livros antigos, discos de vinil, fitas k-7, essas coisas...
— Ah, bom.
— Do jeito que eu cheguei de viagem, enfiei o livro ali e esqueci. Mas se você quiser, podemos dar uma olhada.
— Ah! Eu quero sim, vô.
O velho levantou-se da poltrona e encaminhou-se para a estante aonde o estranho volume estava. Retirou-o da prateleira e colocou-o sobre a escrivaninha. Era pesado, a capa grossa e escura mostrava sinais de esfacelamento. O título "Adventures in the Sea" estava quase ilegível. O avô leu em voz alta as informações na folha de rosto e falou que o livro havia sido impresso na Escócia no ano de 1729. O neto ficou admirado de saber que o avô tinha um livro tão antigo e queria saber sobre o que era, pois estava escrito em Inglês. O velho começou a virar as páginas e leu rapidamente em silêncio alguns trechos e disse ao neto:
— É história de marinheiros, de homens que saíam a caça de baleias nos oceanos.
— Que pena que eu não sei ler essa língua, pois eu ia gostar de saber dessas aventuras...
Vendo que o menino perdia o interesse pelo livrão, o avô pegou-o pela lombada para guardá-lo de volta na estante. Nesse instante caiu do meio das páginas uma folha dobrada em quatro partes. Era um papel bem espesso, amarelado e manchado pelo tempo, bastante puído e sujo nas dobras.
— Parece uma mapa! — observou o velho, desdobrando o papel cuidadosamente.
— Um mapa? — voltou a se interessar Marquinhos.
— Sim. Um mapa antigo, com várias marcas, indicações e assinado com as letras B e R.
— E é um mapa do quê? E o que quer dizer be-erre?
— Não tenho a menor ideia! Mas, de uma coisa eu sei: esse mapa é ainda mais antigo do que o livro e as poucas palavras nele estão em Inglês e escritas com letras góticas.
— Ah! Estou vendo ali no cantinho: ano 1720.
— Isso mesmo. Também tem uma rosa dos ventos, indicando a direção noroeste, não sei de onde.
— Vô, se o livrão foi impresso na Escócia, talvez o mapa seja de algum lugar de lá.
— Sim. Acho que você tem razão, Marquinhos. Mas vou ler o livro todo para saber se há mais alguma pista de quem são essas iniciais.
No dia seguinte, Marquinhos não parava de especular o avô, ansioso para saber se ele havia descoberto novidades sobre o livro e o mapa.
—Descobri, sim — disse o velho, estendendo com cuidado o mapa sobre a escrivaninha — você pode ver aqui que há uma linha que parte do que parece ser um lago. Na Escócia há centenas de lagos. A rosa dos ventos indica a direção noroeste a partir de um lugar na Escócia marcado com um I. O livro, em uma das histórias de marinheiros, refere-se a um pirata de nome Barba Roxa e de um suposto tesouro escondido nas rochas.
—Ah! Vô. O BR no mapa então deve ser a iniciais de Barba Roxa...
—É, pode ser que sim. No mapa tem um U que fica na direção noroeste partindo de I... Vamos ver no mapa da Escócia se tem algum lugar que começa com I perto de um grande lago.
—Veja aqui vovô — gritou o menino, examinando o mapa da Escócia — esse lago aqui em cima tem o mesmo formato do lago do mapa.
—É mesmo! Esse é o Lago Ness. Então o I só pode ser de Inverness.
—Seguindo noroeste em direção ao mar temos Ullapool —completou o avô traçando com o dedo a direção indicada.
—Ah! U de Ullapool, né vovô?
—Continuando a costa a partir daí tem um pequeno retângulo com várias cruzes e as letras BB. As cruzes podem significar um cemitério, ou um campo de batalha onde muita gente morreu... Vamos continuar nossa pesquisa e ver se há algum lugar com as letras BB, subindo a costa.
Marquinhos deu a ideia de ver aquela região no Google Earth. Ligaram o computador e logo ficaram boquiabertos quando encontraram a Baía de Badenscallie e viram o retângulo cheio de cruzes com o nome Old Graveyard, que significa velho cemitério.
— É aí, vovô. É aí que deve estar o tesouro do Barba Roxa!
—É, talvez. Mas a Escócia fica do outro lado do Oceano Atlântico. E acho que se tivesse alguma coisa lá, outras pessoas já teriam encontrado...
—Mas vovô, esse mapa estava escondido, perdido há séculos no meio desse livrão antigo. Talvez ninguém mais saiba da existência dele. Somente agora sabemos que pode haver um tesouro... ninguém mais sabe.
—Acho que você está certo, Marquinhos. Talvez haja mesmo um tesouro escondido naquela região e que ninguém nunca soube.
—Vamos ficar ricos, vovô! É só ir lá e pegar o tesouro do Barba Roxa!
—Ei? Isso não é bem assim que funciona. Se houver qualquer coisa de valor lá, pertence ao Rei Charles da Inglaterra.
—Ahhhh! — resmungou o menino decepcionado— pensei que fosse como nos filmes...
—Mas, como descobridores do tesouro, podemos até ficar famosos.
—É mesmo! E quem sabe podemos até ganhar alguma recompensa...
—Daqui a dois meses vou viajar para a Inglaterra para visitar seu tio João. Vou pedir pra sua mãe deixar você ir comigo — disse o velho pensativo, alisando a barba.
— Obaaaa! Minha mãe TEM que deixar.
O velho e o menino chegaram em Londres num dia frio e cinzento e foram logo recebidos pelo tio que os esperava no aeroporto. Uma das maletas que o avô Manoel carregava continha o livro de aventuras do mar, informações sobre os locais marcados e dentro de um envelope duro, o antigo mapa do Barba Roxa. O tio era bem de vida e morava em uma casa grande com cinco quartos, em um dos quais foram confortavelmente alojados. No dia seguinte da chegada, uma empregada bisbilhoteira colou as orelhas na porta do quarto quando ouviu o avô e o neto conversando sobre a viagem que iriam fazer. A moça era brasileira e, é claro, entendeu toda a conversa sobre a busca do tesouro. Mais tarde, ao arrumar o quarto, fuçou nos papéis do velho, mas não teve tempo de ver o que o envelope continha. À noite, de volta à sua casa, contou ao namorado o que tinha ouvido e falou do envelope. O rapaz exigiu que ela desse um jeito de descobrir o que tinha no envelope. Mas não deu tempo. Quando ela chegou no outro dia para trabalhar, o velho e o menino já haviam partido para a Escócia.
Pernoitaram em Edimburgo e no outro dia à tarde chegaram em Inverness onde se hospedaram no Hotel Mercury, bem de frente ao rio. A noite saíram para comer em um dos vários restaurantes das imediações.
—Amanhã vamos ao MAG — disse o avô enquanto degustava um ensopado típico da cidade.
— O que é MAG, vô? — perguntou Marquinhos.
— É o principal museu de Inverness. Consegui marcar um encontro com o Curador do museu depois que disse a ele o que temos a oferecer.
—Será que ele vai acreditar nessa história de pirata, de tesouro, essas coisas, vô?
—Não sei, mas acho que sim, senão ele nem teria aceitado conversar com a gente e, além do mais, ele tem conhecimento suficiente para saber se o mapa é um documento confiável...
Ao voltarem para o quarto do hotel, o velho perguntou pensativo ao menino:
—Marquinhos, você tirou o mapa do envelope antes de sairmos para jantar?
— Não, vô. Você o guardou depois que demos mais uma olhada e em seguida saímos, lembra?
—Muito estranho! — murmurou o velho — tenho certeza que guardei o mapa com o dorso das dobras para baixo e agora ele está para cima...
—Vai ver que você se enganou, vô.
—Não. Não me enganei. Você sabe como eu sou metódico. Eu coloco a dobra para baixo para não amassar as pontas quando enfio o mapa no envelope. Alguém mexeu aqui. Vou falar com o gerente.
O avô Manoel desceu sozinho para falar com o gerente e voltou depois de meia hora com a explicação do ocorrido: Logo após o avô e o menino deixarem a recepção para irem jantar, um rapaz de uns 25 anos, que se identificou como Marcos, o neto, chegou e pediu a chave para ir ao quarto buscar os óculos que o avô tinha esquecido. A recepcionista, distraída, deu-lhe a chave. Ele subiu ao quarto e voltou logo, devolveu a chave, agradeceu à moça com um sorriso simpático e sumiu.
—Ele não levou o mapa, mas certamente copiou-o de alguma forma — disse pensativo o avô.
—Ele deve ter tirado uma foto com o celular, vô.
—Quem será esse moço que se passou por meu neto, invadiu o quarto e fotografou o mapa?
— Como vamos saber...
—A recepcionista disse que pelo sotaque ele deve ser brasileiro e que foi difícil de entender o que ele queria. O inglês dele era péssimo.
—Talvez alguém na casa do Tio João... — disse Marquinhos.
— Bem, não dá pra saber. Amanhã contamos tudo ao Curador e vamos ver o que se pode fazer.
O Curador do museu era um homem jovem e vigoroso e recebeu-os com simpatia. Depois de ouvir pacientemente toda a história da descoberta do mapa, desde o velho livro na estante do avô até a invasão do quarto, olhou primeiramente o livro e em seguida, com bastante cuidado e técnica examinou o mapa por longo tempo. Finalmente disse ao velho e ao menino:
—Vocês realmente acharam algo valioso. O livro teve uma edição bem limitada na época e apenas é interessante do ponto de vista histórico. Temos dois volumes aqui no museu. Ele relata a lida de marinheiros que saíam à caça de baleias para suprir o mercado de óleo que era usado principalmente para iluminação urbana. Mas também tem histórias de pirataria contra navios ingleses e franceses. O navio pirata do Barba Roxa foi abatido na costa da Escócia e foi a pique com quase toda a carga que tinham roubado. Mas a tripulação do navio estava toda em terra com alguns baús e houve uma grande batalha entre eles e os soldados ingleses. Soldados e piratas foram os primeiros a serem enterrados no cemitério da baía de Badenscallie. Barba Roxa e outro pirata conseguiram escapar do campo de batalha e fugiram levando um baú. Meses depois alguém o denunciou e ele foi encontrado, executado e enterrado no mesmo cemitério. Nesses meses ele deve ter escondido o baú e desenhado o mapa que agora está em minhas mãos — narrou o Curador.
—Muito interessante tudo isso, constatou o avô Manoel — mas tem um senão aí nessa história. Observe no mapa, que há uma linha reta que vai desse morro pontudo distante até uma lápide com as iniciais BR e, embaixo, os números 25L-300 em caracteres bem miúdos. Pensando bem, acho que quando Barba Roxa morreu o baú ainda não havia sido escondido. Provavelmente o outro pirata que fugiu com Barba Roxa o traiu e depois de algum tempo escondeu o baú na cova do Barba Roxa.
—Vovôoo! Você até parece o Sherlock Holmes! — exclamou Marquinhos admirado, vendo a gesticulação do avô, mas sem entender o que os homens diziam.
—Se fosse assim, por que a linha ligando o morro à lápide? E por que as iniciais BR no pé do mapa? — questionou o Curador.
—Pode-se concluir então — disse o avô Manoel —que o mapa não foi desenhado pelo Barba Roxa e sim pelo outro pirata que talvez tivesse as mesmas iniciais dele.
—E acho também que esse pirata desconhecido não enterrou o baú na cova do Barba Roxa. E isso nós nem vamos precisar cavar para saber — disse sorrindo o Curador.
No dia seguinte, foram para a Baía de Badenscallie o avô Manoel, Marquinhos, o Curador e dois funcionários do museu em uma caminhonete com algumas ferramentas de demolição e aparelhos de topografia. Aproximaram-se da lápide marcada com o BR e, como o Curador já presumira, viram que a sepultura havia sido violada e fragmentos dos ossos do terrível pirata Barba Roxa jaziam esparramados no chão rochoso do cemitério.
— O invasor esteve aqui durante a noite e deve estar chutando pedras de tanta raiva por não ter encontrado nada — disse o avô em Inglês para o Curador e em Português para o neto.
O Curador pediu que os dois funcionários subissem o morro pontudo levando um teodolito e que procurassem no pico um marco qualquer, provavelmente uma ponta de pedra mais alta, para assentarem o aparelho. Depois instruiu que visualizassem a linha reta até o topo da lápide e aplicasse um ângulo de 25 graus à esquerda numa distância de trezentos metros a partir da lápide. De fato era ali que estava o possível tesouro do pirata. Sob as paredes em ruínas de um velho moinho! Depois de derrubarem as paredes e escavarem o solo encontraram o pesado baú feito de madeira dura e reforçado com cintas de cobre. Havia milhões em ouro, prata e jóias, e ainda continha uma infinidade de documentos que iriam enriquecer o acervo do museu.
O avô Manoel e Marquinhos deram entrevistas para jornalistas de Inverness e Edinburgo, contaram a história toda na BBC de Londres e voltaram para casa em classe executiva da British Airways com passagens pagas e uma gorda recompensa em dinheiro.