O Velório da Lagartixa
O Velório da lagartixa
“Sabiam que lá na casa do vovô tem um cemitério?” Foi o que disse a menina como quem não queria nada. As crianças, entediadas pelo engarrafamento, puseram-se atentas. “Como assim, tem um cemitério? lá existe gente antiga enterrada?” A garota deu uma risada. “Não é nada disso de cemitério velho, trata-se de algo que existe hoje.” “Explique-nos logo essa história de gente enterrada na casa do vovô.” “Credo, não tem nada disso de gente enterrada.”
E então lhes explicou que naquela semana em que passara as férias, sozinha, na casa dos avós, havia encontrado uma borboleta de uma asa só, morta, talvez bicada por algum passarinho. Achou-a tão linda, de um amarelo brilhante que logo pensou: “Puxa, essa borboleta merece ter um velório e um enterro bem bonito e foi desse jeito que começou o cemitério.”
Houve alívio no carro, pois afinal não se tratava de gente morta no quintal. O cemitério era de bichinhos. Estavam alvoroçados para conhecer o tal cemitério, mas o trânsito só piorava. Nossa heroína então, começou a contar histórias dos velórios e sepultamentos. Depois da borboletinha de uma asa só, ela passou a ficar atenta reparando nos bichinhos mortos que achava. Foi desse jeito que houve o velório do besourinho azul metálico, do sapinho que devia estar morto há tanto tempo que já estava seco. Contou-lhes das duas abelhas, uma em cada dia. Uma maior tendo as costas amareladas e asas arredondadas e a outra menor, pretinha e de asas pontudas. Falou do marimbondo sem bumbum que encontrou e que também enterrou no seu cemitério particular.
Começaram a chover perguntas: afinal, ela não tinha nenhum medo de pegar naqueles bichos, inclusive os que têm ferrão? “Nada, gente, que bobagem de vocês. Os bichinhos estavam mortos, ou seja, eles nunca iriam me picar.” E aproveitou para lhes dar uma aula de biologia, dizendo que o ferrão do marimbondo fica no bumbum. Assim, mesmo que estivesse vivo, não teria como feri-la. “Medo eu não tenho, mas eca, que nojo pegar em bichinhos mortos, ainda mais em sapo.”
A conversa seguia animada. “Mas você só os apanha e enterra?” E ela lhes ensinava que não. Primeiro fazia uma solenidade, como o Sete de Setembro na escola. A solenidade era o velório. Contou-lhes que colocava as bonecas em volta para rezarem e chorarem um pouquinho e depois disso os levavam até o cemitério para enterrá-los e ainda por cima da terra deixava umas flores.
Com aquela história do cemitério dos bichos nem sentiram mais o engarrafamento. Ao chegarem, desceram correndo do carro e ninguém queria entrar para pelo menos abraçar os avós. Todo mundo ansioso para conhecer o cemitério. Foi aí que notaram algo no piso da varanda. Uma lagartixa morta sem a metade do rabo. “Que ótimo, vamos fazer o velório, rezar por ela, chorar um pouco e depois iremos até o cemitério para enterrá-la.” A vovó tinha uma caixinha de remédio perfeita para o caixão. Aquele velório e enterro não teria bonecas, mas sim crianças e os avós curiosos para também conhecerem o cemitério que nem sabiam que existia na casa deles. Dois pauzinhos ajudaram a colocar a pobre lagartixa na caixa de remédios. Nem bem começaram a rezar e chorar a morta e aconteceu o milagre. A bichinha sacudiu o pedacinho do rabo, levantou o focinho e correu desesperada tentando fugir do seu velório.