A bola de futebol da menina e a fome
Rosângela Trajano
Era uma vez uma menina chamada Ana de pele negra, cabelos cacheados, olhos verdes, nariz pequeno e sorriso bonito. Ana gostava de viver feliz e nada tirava do seu rosto o sorriso. Vivia pelas ruas brincando com os meninos da sua idade. Não gostava de bonecas.
Na cidade de Ana aconteceu uma seca grande nos anos de 1960 a 1970. As pessoas perderam tudo o que plantaram. Era sempre assim naquele lugar. A seca castigava em algumas épocas. Mesmo as pessoas se preparando não tinha jeito: faltava comida.
Na casa de Ana morava ela, os avós paternos, a mãe, o pai e mais 19 irmãos pequenos. Ela era a mais velha com 12 anos de idade.
O que mais Ana gostava de fazer era jogar futebol com os meninos da sua rua, mas aos poucos o esporte foi ficando fraco e os meninos deixaram de jogar bola porque viviam com fome e não tinham forças para chutar a bola no gol e nem fazer dribles incríveis.
Ana chorava por não poder jogar bola porque também sentia fome e não suportava correr no campinho de areia. Foi daí que ela resolveu vender a bola que tinha ganhado da sua avó no dia em que completara dez anos
- Vou vender a minha bola, vovó!
- Não, Ana! Você precisa dela!
- Não temos mais comida em casa, vovó!
- Está difícil a vida aqui nesta cidade sem chuvas, Ana!
- Vovó, não fique com raiva! Eu vou ter que vender a bola!
- Vamos pensar em outra coisa para vendermos, menos a bola!
- Não temos mais nada, vovó! Até as portas e o telhado da casa o papai já vendeu!
- É verdade, Ana! Então venda a sua bola! Quando as coisas melhorarem eu compro outra.
Ana colocou a sua bola embaixo do braço e foi à feira da sua cidade em pleno domingo. Assim que terminou a missa a feira ficou cheia de gente pedindo comida. Ninguém tinha dinheiro para comprar carne, verduras, peixe ou outras coisas para comer.
Um menino bem-arrumado que caminhava na feira com o seu pai reconheceu Ana, pois já tinham jogado bola juntos e foi falar com ela
- Ana, o que faz aqui na feira?
- Oi, Beto! Estou vendendo a minha bola?
- A sua bola de couro, Ana?
- Sim! Ela mesma!
- Por que está vendendo-a?
- Porque não temos mais comida em casa!
- Nossa! Quanto você está pedindo na sua bola?
- Vendo-a por 10 moedas!
- Muito caro! Compro por 05 moedas!
- Aí fica muito barato! É uma bola bonita!
- Eu sei que é bonita! Mas eu só tenho 05 moedas!
- Então, esqueça o negócio! Vou procurar outro garoto.
- Você espera eu ir em casa ver se consigo mais moedas com meus pais?
- Não lhe garanto nada, Beto! Se chegar alguém oferecendo as 10 moedas que estou pedindo vou ter que vender a bola, pois a minha barriga está roncando de fome!
- Nossa, Ana! Eu vou tentar trazer um pouco de comida para você também!
- Pois corra para casa e tente conseguir as moedas e a comida para mim! Estarei sentada nos batentes da igreja à sua espera!
Ana dirigiu-se para a igreja esperar pelo seu amigo Beto. Foi caminhando devagarzinho, pois a fome que sentia era grande e não conseguia correr como antes. Estava magrinha e com as pernas se tremendo de fome. A barriga roncava. Sentia dor de cabeça. Estava ficando tonta. Pediu a Deus chegar logo à igreja e poder sentar-se num dos batentes. O padre a viu sentando quase caindo e foi saber se ela estava precisando de alguma coisa
- Padre, estou com fome!
- Não temos comida para mais ninguém, Ana! Tudo o que tínhamos distribuímos hoje pela manhã!
- Só um prato de comida! Um pedaço de pão, padre! Qualquer coisa enquanto Beto volta!
- Não posso lhe dar comida senão chamarei atenção das pessoas famintas que estão ao redor da igreja!
- Padre, o senhor está me negando um pedaço de pão?
- Não, filha! É que são muitos para alimentar e pouco para oferecer! Espere pelo seu amigo! Ele logo virá! Agora tenho que ir! Soube que dona Vera está morrendo.
- Dona Vera? Morrendo de quê?
- Desnutrição! Preciso dar a extrema unção para ela antes que morra! Até mais! E não esqueça de vir à missa no próximo domingo com a sua família! Falar com Deus na igreja é sempre bom!
Ana ficou preocupada com dona Vera morrendo. Chorou um pouco. As lágrimas quase não caíam dos seus olhos, pois estava desnutrida por demais. Esperou até o Sol se pôr por Beto e nada dele. Foi quando teve a ideia de fazer um leilão da sua bola e começou a gritar para as pessoas que passavam
- Quem dá quanto nesta bola?
- Quanto está pedindo, garota?
- 10 moedas!
- Muito caro! Eu dou 3 moedas!
- Alguém oferece mais?
- Eu dou 05 moedas!
- Alguém oferece mais um pouco?
Ana estava no meio do leilão da sua bola em frente a igreja quando Beto apareceu morto de cansaço
- Por que está leiloando a bola, Ana?
- Pensei que você não vinha mais!
- Trouxe as suas 10 moedas e um pouco de comida!
- Pronto, gente! O leilão acabou! Este garotinho me ofereceu 10 moedas na bola!
- Menina mentirosa! Este menino nem abriu a boca depois que chegou aqui! Ficou só acompanhando o leilão com as mãos na cintura, falou um homem bravo!
Ana comeu um pouco da comida que Beto trouxe e guardou o restante para dividir com os seus irmãos. Recebeu as 10 moedas do garoto e lhe entregou a bola com muitas recomendações
- Faça muitos gols com esta bola, Beto!
- Eu sou o melhor jogador que você já conheceu, Ana!
- Eu sei! Espero que você vá para Seleção Brasileira de Futebol!
- Isso eu não sei, mas serei um grande jogador e vou guardar a sua bola com carinho!
No dia seguinte, Ana caminhava pelas ruas da cidade quando encontrou Beto chorando sentado no meio de uma rua com um ipê amarelo
- Por que chora, Beto?
- Cortaram a minha bola!
- Cortaram a bola que lhe vendi?
- Sim, Ana! Veja!
Beto mostrou a bola cortada e contou para Ana como tudo aconteceu. Ele estava brincando com a bola quando deu um chute e ela foi parar dentro da casa de uma mulher brava que morava na rua de baixo. Com raiva porque a bola quebrou o vaso da sala a mulher não contou conversa e partiu a bola com a faca em dois pedaços. Ana e Beto ficaram ali chorando. Mas, agora ele tinha um problema grande para resolver
- Na minha casa também está faltando comida, Ana!
- E o trabalho do seu pai?
- Ele perdeu o emprego! A minha mãe está doente! E os meus irmãos estão famintos! Não temos mais nada!
- Fique calmo, Beto! Vamos jogar bola com os meninos da vila! Assim esquecemos um pouco da nossa fome!
- Com qual bola?
- Eles têm uma bola de meia! É boa também! Vem comigo!
Ana pegou a mão de Beto e os dois famintos foram jogar um pouco de futebol para esquecer as suas dores e a fome porque na vida a gente tem que saber enfrentar os problemas com uma boa dose de vontade de vencê-los e sermos felizes sempre.
Exercícios para o bom pensar.
1 – O que você achou da historinha?
2 – O que você achou de Ana?
3 – Você acha que Ana agiu certo vendendo a sua bola?
4 – O padre foi legal com Ana?
5 – Como você vê o gesto de Beto para com Ana?
Desenhe o que mais gostou na historinha.