A menina do milagre da moedinha
Rosângela Trajano
A cidade de Rodelas era pequena e vivia de alguns empregos simples e da venda de cocos. A extrema pobreza era grande naquele lugar e muita gente não tinha quase nada para sobreviver. A fome e a desnutrição eram grandes.
Ali morava uma menina chamada Alice de olhos redondos iguais a uma biloca da cor preta e cabelos cacheados. Gostava de brincar com a sua boneca de pano que se chamava Lu.
Mas, Alice sentia fome, muita fome. Seus pais estavam desempregados e a venda de coco não ia bem naquele ano. Faltava de tudo em casa. Alice saiu da escola porque não tinha roupas adequadas para ir e nem sapatos ou chinelos.
As outras crianças faziam bullying com ela e a professora apesar de não gostar e criticar aquela situação diante dos alunos a mesma continuava sofrendo com apelidos e atitudes grosseiras por parte dos seus amiguinhos.
Certo dia, Alice saiu de casa disposta a encontrar um pão para comer, pois de tanta fome sentia o corpo tremer e muita dor de cabeça. Andou, andou e andou pelas ruas de Rodelas. Andou tanto que se cansou e sentou-se no banco de cimento de uma praça pública segurando a sua boneca quando apareceu uma menina
- Oi, o que você faz aqui?
- Estou descansando e você?
- Eu estou voltando da escola!
- Eu não estudo mais!
- Você é tão feia e magra que assusta parece um bicho!
- Não me maltrate, por favor!
- Desculpe-me! Só estou falando a verdade!
- Eu sofri muito bullying por ser feia na escola!
- Você é feia mesmo! Parece um bicho!
- Eu não me pareço com um bicho!
Alice se pegou com a menina e a sua boneca caiu lá fora. As duas brigaram bastante até que uma mulher apareceu e as separou
- Que coisa mais feia é esta?
- Ela que começou!
- Mentira! Foi ela que me chamou de bicho!
- Bicho? Quem já viu chamar outra pessoa de bicho?
- Vai dizer que ela não se parece com um bicho?
- O que fazem aqui na praça uma hora dessas?
- Eu voltava da escola quando encontrei essa outra feiosa sentada aqui e parei para saber se ela estava precisando de alguma coisa!
- Eu estou com fome! Só quero um prato de comida!
A mulher levou a menina que voltava da escola para casa e deixou Alice sozinha com a sua boneca e a sua fome sentada no banco da praça. Era noite de lua cheia e o céu estava estrelado.
Alice saiu em direção ao mercado para ver se achava comida nas latas de lixo. Procurou e procurou revirando as latas, mas não encontrou nada. A barriga roncava. A fome doía. A dor de cabeça aumentava. Já estava se sentindo tonta. Achava que ia desmaiar a qualquer momento. Estava exausta e mal conseguia andar. As perninhas bambeavam e as mãos trêmulas mal seguravam a boneca de pano. De repente, encontrou uma mulher suja e que também era pedinte e andava pelas ruas de Rodelas
- O que faz uma menina tão feia uma hora dessas na rua?
- Eu não sou feia! Não me chame de feia!
- Magricela parece um palito de hotel!
- Posso ser magra, mas não sou feia!
- Você é feia demais! Parece um bicho! Eu quase lhe confundi com um cachorro vira-lata!
- A senhora está me maltratando!
- Se pensa que vai conseguir comida por essas bandas de cá está enganada! Este pedaço é meu! Aqui só dão comida para mim! Estou velha e cansada! Não tenho onde pedir comida e nem posso trabalhar mais! Vá embora para outro lugar!
- Eu só queria poder vender a minha boneca para comprar um pão! Estou com tanta fome!
- Quer comprar um pão?
- Sim, quero! Estou morrendo de fome!
- Um pão é caro, menina!
- Eu me chamo Alice!
- Vá virar as latas de lixo do outro lado da cidade! Esta boneca de pano feiosa ninguém vai querer comprar! Você tem pais?
- Tenho, sim! Eles estão em casa doentes de fome!
- E você pelas ruas atrás de vender uma boneca de pano para comprar um pão?
- Sim, isso mesmo! Eu quero comer qualquer coisa!
- Eu tenho um pedaço de pão duro aqui dentro da minha mochila! Mas você não merece! É uma menina chata!
- Pelo amor de Deus, dê-me um pedaço de pão!
- Não e não! Menina chata só merece morrer de fome!
- Então, eu vou indo! Adeus!
- Adeus! E passar bem! Vá para bem longe daqui, pois eu sou a dona desse pedaço!
A menina saiu apressada olhando para a lua e pedindo para Deus que aparecesse alguém para lhe dar um pedaço de pão ou qualquer outra coisa para comer. Ela chegou à igreja e estava fechada. Sentou-se nos seus batentes e viu uma mulher com um véu branco passar rezando um terço. A mulher deu meia volta e parou de frente a menina
- O que faz uma criança sozinha a esta hora aqui nos batentes da igreja?
- Estou com fome! Quero comida!
- Vá para casa! Não vai encontrar comida nas ruas!
- Em casa não tem comida também!
- E seus pais? Não trabalham?
- Meus pais estão doentes! Não temos nada para comer em casa!
- É triste a sua história! Tome uma moeda! Junte com mais outra e compre um pão para vocês!
- Estou vendendo a minha boneca de pano. A senhora não quer comprá-la?
- Pra que eu vou querer uma boneca de pano?
- Pra sua netinha ou filha! Pra senhora decorar a sua casa! Veja como ela é bonita!
- A sua boneca está com cheiro de xixi, disse a mulher cheirando a boneca e a jogando distante!
- Não faça isso com a minha boneca!
- Boneca fedorenta! Nunca que vai conseguir vender! Vá trabalhar, menina! Vender coco! Fazer alguma coisa nesta vida! As coisas estão difíceis para todo mundo!
- Eu quero comida! Eu preciso de comida!
- Vá para casa e cuide dos seus pais!
- Como vou cuidar deles se não temos o que comer?
- Se virem! As coisas não estão boas para ninguém! Vá vender cocos!
- Ninguém quer comprar coco mais a gente!
- Reze, criança! Reze para Deus mandar comida para você!
Alice ajoelhou-se e pediu para Deus confortar o coração daquela mulher que lhe deu uma moeda. Se ela lhe desse mais uma daria para comprar um pão e levar para os seus pais. De repente, começou a chover forte e a mulher saiu correndo para longe. Alice ficou sozinha no meio da chuva ainda ajoelhada. Por um milagre de Deus veio uma moedinha rodando na estrada e parou de frente para ela
- Uma moedinha! Deus mandou uma moedinha para mim!
Alice agradeceu a Deus pela moedinha, correu à padaria e comprou um pão grande para comer com os seus pais. Naquele dia não precisou vender a sua boneca de pano. E isso era bom, pois assim ficariam mais algum tempo juntas. Que Deus mandasse mais moedinhas como aquela.
Ela foi para casa dando pulinhos e no meio do caminho um homem grandão e com cara de mal tomou o pão de Alice e ainda lhe deu uma carreira. Alice ficou assustada e chegou em casa cansada de tanto correr. Explicou aos pais o que aconteceu
- Filha, apareceu um anjo e deixou comida na porta!
- Um anjo? Que anjo, mamãe?
- Não sabemos! Alguém bateu à porta e quando fomos ver não tinha ninguém, mas tinham esses pacotes cheios de comida!
A mãe mostrou à Alice os mais de doze pacotes de comida que foram deixados à porta da sua casa. Ela ficou boquiaberta e quase não acreditou. A família jantou feliz naquela noite e por muitas outras. O pai de Alice ficou curado e a sua mãe se recuperou da fraqueza. O pai conseguiu um emprego de garçom num restaurante e a mãe de diarista numa casa de família. Nunca mais passaram fome, graças a Deus.
Exercícios para o bom pensar.
1 – O que você achou da historinha?
2 – O que você achou de Alice?
3 – Por que Alice era confundida com um bicho?
4 – Por que não devemos achar as pessoas feias?
5 – O que é uma pessoa feia para você?
Desenhe o que você mais gostou na historinha.