A MENINA QUE PERDEU SUA BONECA

Era uma vez, uma menina chamada Sardentinha por ter o rosto todo pintadinho, um dia ela perdeu a sua boneca feita com muito carinho pela sua avó. Uma velha não tão velha que gostava de fazer bonecas com retalhos e farrapos velhos, mas no final ficavam umas belas mocinhas com cabelos longos trançados e seus vestidinhos estampados.

A vovó Mariquinha era muito alegre e animada, ela vivia com espirito de criança e se divertia no meio delas, gostava de se sentar numa esteira nas sombras do velho umbuzeiro onde passava as tardes costurando e enchendo as bonecas com algodão colhido ali mesmo em sua roça. Sardentinha era uma das quinze netas e não se desgrudava da avó que lhe enchia de mimos por ser a mais nova que morava bem pertinho. A Sardentinha como era chamada carinhosamente sempre ajudava a avó a colher algodão, retirar os caroços e colocar todos arrumadinhos dentro de uma cestinha para encher as bonecas.

Cada boneca costurada tinha um nome e uma história que a vovó fazia questão de escrever e deixar guardada em seu caderno de lembranças. Mas, a da Sardentinha era a mais especial, foi costurada quando a menina tinha poucos dias de vida e nunca mais se separou da sua adorada Tininha como era o seu nome.

Sardentinha estava muito triste, pela primeira vez se separava da sua boneca que se perdeu nas águas do riacho enquanto pescava com a avó, a boneca estava em seu colo e num descuido a correnteza levou. A avó ainda tentou salvar, mas a força das águas depois de uma tempestade estavam furiosas e desciam levando o que encontrasse.

Ao ver a tristeza estampada nos olhinhos da neta, vovó Mariquinha sem ter nenhum retalho, rasgou um lençol e foi costurar uma boneca para tentar substituir a Tininha levada pelas águas. Sardentinha até ficou feliz com aquela boneca enorme quase do seu tamanho. Ela era linda, a vovó batizou como menina cor do céu, era mesmo um encanto com seus cabelos, olhos e roupas azuis parecia um pedacinho de nuvem, mas Sardentinha sentia saudades da sua Tininha pequena com as perninhas finas, cabelos com duas trancinhas de lã marrom e o olhar cheio de meiguice.

Não fique triste assim, com certeza a Tininha está feliz e você precisa acreditar que um dia vamos encontrar, nem que para isso eu corra todo o riacho e seguir pedindo ajuda aos peixes, sapos e até ao temido jacaré pé de pano. Disse a avó condoída com a saudade da neta.

Sardentinha concordava, mas quando chegava a hora de dormir sentia falta da sua grudentinha que nunca saiu do seu lado e por muitas noites chorava de saudades, muitas manhãs quando acordava sentava na janela do seu quarto com o olhar perdido para o riacho onde as águas corriam lentamente, mas teve força de levar a sua pequena boneca. Um passarinho que sempre pousava ali perto e ficava observando a tristeza da menina não aguentou e foi perguntar:

- Caiu um cisco no seu olho?

Espetou o dedo num graveto, ou pisou num espinho pra ter tanta dor nesse seu coraçãozinho e transbordando para seus olhinhos antes tão coloridos agora estão apagados.

Sardentinha se assustou; deu um sorrisinho sem graça.

- Não bondoso passarinho, eu perdi a minha boneca Tininha, ela era pequena, magrinha e foi feita de tecidos pela minha avó, as águas levaram e estou com muita, mas muita saudade. Eu ganhei outra maior, linda! mas não gosto dela, quero a minha Tininha, era minha companheira desde quando ainda dormia no berço e mamava no peito da minha mãe. Como vou querer substituir um amor de tanto tempo.

- Ora! pare de chorar, siga o riacho ela deve está presa em algum garrancho depois que as águas baixaram e não corre mais para chegar ao grande rio. Então se anime menina sardentinha e vá encontrar a sua boneca. Concluiu o passarinho batendo asas e sumindo entre as árvores.

Sardentinha se animou, saiu pulando para a casa da avó que ficava ao lado da dela, ao encontrar cuidando da horta foi logo falando sem mesmo respirar. A avó também andava triste e até deixou de costurar outras bonecas. Mas ao ver o brilho voltando naquele rostinho ela limpou as mãos no avental e foi encontrar querendo saber o motivo daquela aflição.

Ao relatar o que o passarinho disse, vovó Mariquinha respondeu:

- Vamos sair amanhã bem cedinho assim que o galo cantar, a Tininha vai ser encontrada, palavras de avó, disse batendo continência.

E assim que o Sol começou se espreguiçando, o galo cantou todo animado, as duas pularam da cama pegaram a sacola de comida e água e seguiram naquela aventura cheias de sonhos e esperanças.

Para animar a neta a vovó seguia na frente cantando;

-Vamos na beira do riacho

Vamos dando gargalhas

Venham peixinhos e peixões

Vão chegando na beirada

Encontre a Tininha

Aquela boneca magrinha

Nos avise correndo

Já estamos chegando.

Os peixes ouvindo aquela cantiga começaram a pular na água como se estivessem entendendo, quando uma piabinha, miudinha e atrevida deu um salto e disse:

- Eu vi.... eu vi... A Tininha tá tristinha nos gravetos largadinha.

Enquanto as duas seguiam por terra a piaba pulava na água, uma hora ela disse:

- Já estou muito cansada, por aqui eu vou ficando, sigam nessa direção e se a Tininha é pequena e magrinha logo vão encontrar, quem sabe tá sendo cuidada por dona tartaruga que leva tudo que encontra para todos os lugares. Elas só não sabiam que a atrevida da piaba estava inventando tudo aquilo.

Sardentinha ao ouvir aquilo perdeu as esperanças e voltou a entristecer. A piaba desapareceu e essa tartaruga onde iremos encontrar? Perguntou a avó com a voz embriagada de choro.

- Não se desanime, essa tartaruga malandra vai nos ajudar ou iremos pescar essa piaba e ela vai nos ouvir. Vamos! avante disse tentando animar a neta. Tudo pode acontecer, disse a avó seguindo firme.

- O dia é grande, vamos parar precisamos comer e depois de barriga cheia podemos continuar

Vovó a Tininha é tão magrinha, não é mais novinha, se essa tartaruga não cuidar ela vai adoecer e pode até morrer.

- Boneca de pano não morre e nem pode se desmanchar, mesmo ficando muito tempo na água e isso não vai acontecer. E se acaso ela estiver bem estragadinha posso refazer ela todinha e a Tininha vai ficar novinha outra vez. O que importa é o sentimento que tem dentro dela. Vamos lá encontrar essa tartaruga assim que terminarmos de comer. Quando a menina jogou fora um ossinho de galinha, apareceu uma lagartixa. Era tão grande e cabeçuda, mas parecia um filhote de crocodilo, parecia bem esperta encarando as duas, cheia de curiosidade.

- Ei dona lagartixa, você parece tão esperta e anda por toda essa região, viu aí uma tartaruga com a minha boneca?

A lagartixa balançou a cabeça empinou a cauda, arregalou os olhos e disse:

- Eu sou Anastácia, a lagartixa mais velha e respeitada de toda essa região e vi sim uma tartaruga seguiu o riacho indo em direção aos lajedos onde com certeza deve morar. Se levava a sua boneca eu não sei. Mas sigam de pressa ou ela some no meio da vegetação e adeus a sua boneca.

- Minha boneca é como uma filha ela só falta falar e tem muitas histórias, preciso encontrar ou ficarei triste pelo resto da minha vida. Ela é tão pequena e magrelinha. Disse a menina deixando a lagartixa pensativa. As duas seguiram viagem.

De longe avistaram uma tartaruga tomando Sol na beirada da água. Os olhos da menina se iluminaram e quando se aproximaram foram logo indagando o que procuravam:

A resposta foi assim:

- Eu sou muito velha tartaruga, vivo a maior parte do tempo cochilando, já não ando muito, até pra dormir é complicado. Mas vi sim a tartaruga Daniela passou por aqui agorinha, levava alguma coisa nas costas, um saco com algumas frutas e não sei mais...

Desanimadas continuaram a andar sem nenhuma esperança.

A tarde ficava quente, o Sol parecia arder, seguiram o riacho fazendo mil perguntas, nem um mosquitinho escapava de ser interrogado e a resposta era a mesma, quando avistaram um sapo a menina foi logo perguntando:

- Senhor sapo você viu uma tartaruga levando a minha boneca? Ela passou por aqui? Diga!

O sapo abriu o bocão, coçou os olhos sonolentos e disse:

- Não vi e se vi não lembro, estou com dor no pé sofrendo com esse chulé.

Um beija-flor bem falante pousou pertinho e disse todo atrevido:

- O sapo é um preguiçoso, não gosta de ajudar. Sigam correndo nessa direção, a tartaruga Daniela está comendo e depois vai cochilar, se tem uma boneca eu não sei, mas se apressem, ela é bem ligeira.

As duas se animaram, de longe avistaram a tartaruga fazendo um banquete. Ao lado um cesto, dentro do cesto um saco e dentro do saco precisavam descobri se ali estava a boneca.

Ao se aproximar a menina impaciente foi logo indagando:

-Se você é a tartaruga Daniela onde está a Tininha minha boneca magrelinha?

A tartaruga balançou a cabeça aliás bem cabeçuda com um casco de gomos em alto relevo mostrando que tinha muita idade.

- Hoje é o meu aniversario completo cem anos de vida por essas terrar, chegaram tão de repente. Sentem-se, temos bolo de alface, doces de legumes e muitas frutas.

Estou chegando! – Disse o vagalume.

A menina impaciente começou a chorar.

- Por favor eu quero a minha boneca, se você está com ela aí nesse saco me entrega. Implorou com as lágrimas rolando naquele rostinho cansado.

- Calma! Calma! - Disse a tartaruga. Eu não estou com a sua boneca, eu a encontrei sim, estava toda suja de lama e ensopada, então deixei pendurada nuns gravetos para se secar.

- Mas onde você a deixou? Diga eu vou pegar. Não ver que a pobrezinha está sofrendo. Disse a vovó Mariquinha.

- Sigam na direção de onde vieram, mas pelo outro lado d riacho, de longe vai avistar a sua boneca se algum urubu não chegou antes e levou para seus filhos brincarem no ninho.

Foi como se os sonhos despertassem, a menina saiu correndo. Vamos vovó, corra precisamos atravessar o riacho, mas ele é tão largo e eu não sei nadar. Lamentava a menina. Vovó o que vamos fazer?

A avó teve uma ideia, colocou a menina nas costas e começou a atravessar, quando a água já estava na cintura, o jeito era nadar e o riacho foi vencido, chegaram do outro lado

Retornando a caminhada, as horas passavam nada de chegar no local indicado pela tartaruga. Estavam cansadas precisavam sentar um pouco para descansar e tomar um pouco de água, e assim fizeram.

O Sol foi se despedindo, a tarde ficou rosada, passarinhos apressados voltavam para seus agasalhos.

- Sol, meu grande Sol, antes de se despedir nos mostre onde encontrar a minha bonequinha. Pediu a menina deixando a avó emocionada.

Não podia parar, estava cansada, os pés doendo, as pernas aranhadas dos gravetos, mas a esperança se encontrava viva e iria encontrar a sua Tininha.

E antes que o manto da noite fechasse o dia avistaram os garranchos, metade dentro da água, metade fora como a tartaruga falou, e lá estava a sua boneca toda suja de lama, nem parecia a sua Tininha, mas ao chegar pertinho e sua avó a pegar teve certeza que era mesmo a sua boneca engolida pelas águas.

Sardentinha largou a sacola que trazia no ombro, agarrou a boneca, toda estragada com o vestidinho rasgado. Começou a chorar, um pouco de felicidade por ter encontrado a sua boneca e por ver o quanto ela estava sofrendo assim toda amarrotada.

A avó para animar a neta teve uma ideia;

- Vamos acender uma fogueira, ela precisa se secar e depois vamos dormir um pouco, não podemos continuar nessa escuridão. As duas se acomodaram no tronco de um velho carvalho que mais parecia uma casa, a menina enrolou a boneca em seu lenço e colocou ao seu lado. O sono foi ligeiro e logo a avó roncava, a menina se viu envolvida dentro de um sonho onde ela nadava num rio feito de lágrimas e logo a tempestade trazendo gargalhadas. Assustada se sentou, chamou a avó.

- Vó eu tive um sonho atrapalhado, mas agora estou feliz, encontrei a minha Tininha.

Aconselhada perla avó a menina voltou a dormir, a noite passou voando e logo o Sol colocava o olho fazendo com que as duas despertassem. Era hora de seguir viagem.

A tristeza da menina continuava mesmo encontrando a sua boneca ela não estava do jeitinho que era quando as águas levaram.

- Vovó, a Tininha tá doente, toda estragada, ela não pode ficar assim. O que vamos fazer? Perguntou com lágrimas escorrendo pelo rostinho sardento.

-Calma! A Tininha vai para o hospital da vovó que é a minha caixa de costuras e logo ela sairá novinha como no dia em que você apertou em seus bracinhos gorduchos pela primeira vez. Prometeu a avó abraçando a neta.

Agora vamos apressar os passos. Veja! Estamos chegando, olha a folia das galinhas no terreiro. Disse a vovó animando a neta.

Nem bem entraram em casa e o trabalho começou, enquanto a Sardentinha tomava banho e dormia para eliminar o cansaço, a vovó colocou um forro novo na boneca, o rostinho foi bordado do jeitinho que era, até a cor dos olhos ficaram os mesmos, os cabelos trocados, mas continuavam com a mesma cor e as duas trancinhas, o rostinho claro não poderia de ter as sardinhas igual a sua dona.

Agora a boneca estava perfeita, era hora de costurar o vestidinho, sapatinho e os lacinhos para prender as tranças. Pronta! A Tininha teve alta, a avó correu até o quarto onde a neta dormia e colocando a boneca ao seu lado no travesseiro saiu na ponta dos pés.

- Vovó! Gritou a neta agarrada com a sua boneca e sorrindo disse:

- A médica cuidou muito bem dela. Minha Tininha está recuperada!

- Minha doce menina sardentinha, não importa a mudança por fora, o que vale mesmo é o sentimento que cada um tem dentro do coração. Aquele amor que você colocou quando recebeu a boneca na primeira vez e olha que era ainda uma garotinha tão pequena quase do tamanho da Tininha, ele continua igual a Tininha apenas mudou de roupa. Disse a avó e abraçando a neta que estava feliz e sorrindo depois de tantos dias sofrendo.

E como toda história termina bem. A Sardentinha hoje está uma mocinha e mesmo assim nunca mais se separou da sua boneca Tininha.

Autora- Irá Rodrigues

Santo Estevão-BA

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