Restolho

Restolho (José Carlos de Bom Sucesso)

Naquela manhã, Pedrinho não tinha mais nada a fazer. Levantou-se bem cedo. Foi à cozinha e tomou o café com o leite preparado pela mãe. Junto a esse, comeu o bom e grande pedaço de broa de queijo, com manteiga de vaca. Assim que terminou, devorou, também, o imenso pedaço de queijo, bem curado, mordendo-o lado a lado até chegar ao centro. Tomou mais café. Pegou o carrinho de plástico, onde se via o formato do caminhão basculante, e saiu para perto do curral. Lá, consertando a torneira, encontra-se o pai, pois era domingo e ele não teria muitos afazeres a não serem os de domingo.

- Papai! O que está fazendo?

O pai, concentrado no reparo da peça, ergue a cabeça lentamente na procura de onde o filho está, pois imaginava que ele estivesse fazendo alguma bagunça no quintal. No último domingo, ele pegou a enxada e fez questão de cortar as flores da mãe. Levou a surra, mas o pai logo se arrependeu.

- Estou reparando a torneira, pois ela está vazando muito e fazendo barro no quintal.

O pai, de nome Marcos, respondeu ao filho e continuou atento ao serviço que realizava. A manhã de domingo prometia ser ótima, pois o leite já fora tirado e já havia tratado do gado. Aguardava o término da manhã para o almoço. Mais tarde, ele tiraria o leite da tarde e estaria pronto para o descanso.

- Papai!

Marcos olhava novamente para o menino e pensava que mais alguma travessura ele poderia estar tramando. Já se irritava com a insistência do garoto, pois ele continuava a chamá-lo de forma contínua, ou seja, muitas vezes.

- Papai! Papai!

O jovem pai se irritava e fingiu que não ouvia. Prosseguiu no ajeitamento. O menino, mais forte, o chamava. Foram tantas chamadas que ele, mentalmente, contava de um a cem para não perder mais a paciência. O reparo da torneira não estava dando certo. Ela continuava vazando e se via na obrigação de comprar uma nova peça. Alguns segundos se passaram. O menino, porém, não terminava a insistência de chamá-lo, parecendo que o mundo estivesse acabando naquele momento.

Mais uma vez, o pai erguendo a cabeça, não se conteve e ia xingá-lo, mas respirou profundamente e teve afeto ao filho, que vestido com a camisa do time do coração do pai, o Flamengo, a bermuda preta e calçado com a chinelinha, também, do time do coração do pai. Nas mãos, junto ao peito, apertava o carrinho basculante que ganhou de aniversário da avó.

Pedrinho já estava bem próximo do pai, que poucos passos os separavam. Ele, sem dó e piedade, gritava para o patriarca para lhe atender.

- Papai! Papai!

Chamava pelo pai a ponto de lhe puxar pela camisa. Marcos, agora mais calmo, olhando para a figura que mais amava, tranquilamente disse:

- Diga, meu precioso filho!

- Você está muito bonito hoje. Espero que tenha tomado café, pois o homem sem a refeição da manhã é um homem sem forças para o trabalho.

O garoto sorria e esperava que o pai não estivesse magoado consigo. Com a carinha de alegria, sabendo que o pai não lhe daria aquela bronca, exclamou:

- A vaquinha “Malhada” está sozinha no curral. Está ela perto da cerquinha. Lá tem o banquinho. Penso que ela está com muita fome. Berra muito. Pensei comigo:

- Dentro do paiol tem o cestinho com os restolhos que o senhor pediu para separar no dia de ontem. Eu os separei. Estou pensando em levar para ela, porque o leite que tomei hoje, junto ao café, foi tirado dela. Seria a retribuição pelo gostoso leite que eu bebi.

- O senhor concorda?

Marcos, olhando com todo carinho para a pequena figura do filho, segurando a pequenina mão em sua camisa, tirando o chapéu da cabeça e a coçando, voltando novamente a boina para a cabeça, disse:

- A “Malhada” já comeu hoje. Eu dei ração para ela e está de barriga cheia.

Ligeiramente, o menino replicou:

- Não, não senhor! Quando ela berra é porque está com mais fome.

- O senhor não precisa ficar lá comigo! Basta, na verdade, pegar o cestinho, porque eu mesmo lhe dou os restolhos.

O pai vendo a certeza e mais ainda a esperteza do filho, sabendo que se não o fizesse, ele não lhe daria sossego naquela manhã. Seria, para Marcos, a válvula de escape para o término do reparo na torneira. Pensava ele, que se Pedrinho estivesse entretido com a vaca, o reparo seria mais rápido e terminaria depressa.

Balançando a cabeça, disse:

- É verdade, meu filho. A “Malhada” não comeu bem nesta manhã. Foi bem pensado você separar o alimento para ela. Vamos! Eu vou colocá-lo lá. Tenha cuidado para não cair!

Pegando o filho no colo e o colocando nas costas, saíram os dois. Marcos corria lentamente e dizia que era o cavalinho e Pedrinho era o peão. O menino aproveitava da situação e dava algumas pancadinhas com o tornozelo nas pernas do pai, como se fossem as esporas do peão.

Lentamente, chegaram junto à cerquinha do curral. Marcos dirigiu ao paiol e pegou o cesto. Ajeitou o garoto no assento mais alto. Junto do assento, o cesto, com os restolhos, foi apoiado. Pedrinho estava feliz. Já em posição de dar o alimento para a vaquinha, ele a gritava. Ela, vendo que seria farta com o alimento, veio correndo e berrando.

Marcos, então, pode voltar ao afazer e terminar o reparo tão demorado, mas com o sucesso almejado.

Pedrinho, vendo que a vaca se aproximava, dizia aos berros pelo nome. Ela se aproximou. O primeiro restolho foi entregue e ela, com a grande língua, pegou-o, mastigou e engolia rapidamente. Mal engolia um, já queria o outro. Assim, por um longo tempo, “Malhada” se deliciava com os alimentos. O garoto fica mais feliz quando ela está comendo.

Do outro lado do curral, “Tião Grande”, o galo grande, robusto, carijó, de crista enorme, cauda redonda, se aproximava para ver se sobrava algo para comer. Pedrinho descascou o restolho maior. Deu a palha para a vaca e jogou a pequena espiga de milho para o fiel amigo, o galo. Ele, bicando cada grão, chamava algumas galinhas para devorar o milho. Apenas duas apareceram. Ele, por sua vez, tirava o grão de milho da espiga e oferecia às galinhas. Fazia, também, o galanteio como se estivesse cogitando para acasalamento.

Os minutos foram passando. Pedrinho ainda dava de comer à vaca até que os restolhos se acabaram. Ela permaneceu por ali recebendo o afeto do menino, que coçava sua cabeça, acariciava o focinho.

Não tendo mais nada para fartar-lhe, “Malhada” saiu do curral indo em direção das outras vacas que estavam no pasto, logo acima. O galo “Tião Grande” se retirou com as duas galinhas. Foram eles para perto da janela, onde a mãe de Pedrinho iniciava o almoço. Receberam eles restos de alimentos do jantar do dia anterior. Ficaram lá por algum tempo e se retiraram. Devem ter ido beber água no poço da bica.

Pedrinho desceu do assento da cerca do curral. Com o carrinho, achou o monte de terra e lá o encheu de terra. Fez estradinhas e permaneceu brincando até que a mãe o chama para o almoço.

Marcos conseguiu finalizar o reparo da torneira. Chamou o garoto para o almoço.

Assim, almoçaram. Marcos foi tirar o cochilo e Pedrinho foi ler seu livro predileto: “O Guarani”.

JOSÉ CARLOS DE BOM SUCESSO
Enviado por JOSÉ CARLOS DE BOM SUCESSO em 12/03/2023
Código do texto: T7738582
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