A mulher e a cláusula abusiva do contrato
Rosângela Trajano
A mulher estava passeando pelo shoping center quando viu uma promoção de aparelhos celulares numa loja. Entrou, olhou os aparelhos uma, duas, três e várias vezes. Ficou encantada com os bonitos aparelhos. Escolheu o mais caro de todos e também o que estava numa boa promoção.
Na hora de pagar, ela procurou um vendedor que ofereceu um seguro de dois anos para a mulher e ela só pagaria 10,00 a mais nas parcelas. A mulher achou maravilhoso o preço e disse que concordava em assinar o contrato, pois o preço do seguro era bom. E ficaria com a garantia de qualquer coisa que acontecesse com o seu celular a loja ressarcir. Comprou tudo em 97 vezes no cartão de crédito, ou seja, pagaria sem nem sentir.
A mulher saiu da loja toda contente com o seu aparelho nas mãos se amostrando para Deus ao mundo. Agora poderia fazer inveja às suas amigas e pessoas que faziam pouco dela. Assim, ficou andando pra cima e pra baixo com o celular nas mãos. Quando ele tocava era bem alto e todo o mundo ouvia. Entrava na manicure conversando ao celular, entrava na farmácia conversando ao celular, andava pelas ruas conversando no WhatsApp. Não largava o seu celular por nada nessa vida. Até quando ia tomar banho levava o celular para o banheiro.
Certo dia, ela saiu de casa cedinho para ir ao açougue que ficava num bairro próximo. Pegou o ônibus lotado e nem viu quando o ladrão abriu a sua mochila e tirou o seu telefone de mansinho la do fundo. A mulher só soube do furto quando outra que estava sentada avisou que alguém tinha aberto a sua mochila
- Nossa! Meu celular sumiu!
- Acho que é coisa de ladrão!
- Quem roubou meu celular? Motorista leve o ônibus para a delegacia rápido!
O motorista fez o que a mulher pediu porque o povo do ônibus ficou revoltado com o furto. Chegando lá prestou queixa e disse que tinha sido roubada. O policial perguntou como ocorreu o furto e registrou o boletim de ocorrência. Dali mesmo, a mulher correu para a loja onde tinha comprado o seu celular, pois não estava preocupada já que tinha seguro contra roubo. Pelo menos isso depois do que passou.
Ocorre que chegando à loja e procurando a vendedora mostrou o boletim de ocorrência do furto do seu celular. A vendedora pegou o contrato e disse
- A senhora não tem direito a outro aparelho!
- Como não?! Por que não? E o meu contrato?
- Calma, senhora! É que a cláusula 12 diz que a senhora só teria direito a outro aparelho se tivesse sido roubo e aqui no boletim de ocorrência o policial colocou furto.
- Qual a diferença de uma coisa pra outra, vendedora?
- Muita diferença! Roubo é quando houve violência e furto é quando não houve. No seu caso o ladrão tirou o celular da sua bolsa e a senhora nem viu, não foi isso?
- Sim, foi! Pois bem, ocorreu um furto e não um roubo!
- Vou procurar um advogado!
- A senhora devia ter tirado todas as suas dúvidas antes de assinar o contrato. Assinou porque quis. Não foi obrigada.
- Sua descarada! Ainda tem a ousadia de me dizer uma coisas dessas! Vou falar com uma advogada!
A mulher saiu da loja direto para o escritório mais próximo que encontrou de uma advogada do consumidor. Lá chegando contou tudo ainda muito nervosa para a advogada que lhe ouviu com atenção
- A senhora assinou o contrato sem ler as cláusulas?
- Sim, doutora! Eu confiei na loja!
- Esta cláusula é abusiva! Ela inflinge o principio de função social do contrato. Vamos entrar com uma ação na justiça e aguardar o que o juiz vai decidir!
- Eu vou ganhar?
- Não posso lhe garantir nada, mas tem chances de ganhar.
A mulher foi para casa toda preocupada com o acontecido com o seu celular e com o contrato da loja. Era só o que faltava roubo ser diferente de furto. Para ela era tudo uma coisa só. Quem já viu? O povo inventa cada coisa para lesar as pessoas mais simples! Se aquela advogada fosse molenga e não fizesse um bom trabalho ela pagaria outra até conseguir o seu celular de volta, afinal pagou 53 mil reais por ele.
Passados três meses e todos os dias aperreando a advogada para saber da sua ação finalmente foi chamada ao escritório porque tinha saído a sentença do juiz
- E então, doutora? O que o juiz decidiu?
- Sente-se, por favor. Precisamos conversar direitinho.
- Eu não quero me sentar, doutora! Eu quero é meu celular de volta! Eu ganhei ou não?
- A senhora ganhou a ação! A sentença foi favorável a senhora! O juiz concordou com a nossa petição e disse que o contrato fere o princípio da função social e a cláusula é abusiva. Sendo assim, pode ir pegar o seu celular novo, pois a loja já foi notificada e está à sua espera.
A mulher saiu do escritório dando pulos de alegria. Correu para a loja no shopping center e foi direto à procura da moça que diferente do outro atendimento estava toda boazinha
- Aqui está o seu novo aparelho celular, senhora.
- Muito obrigada! Não fez mais do que o seu serviço, vendedora!
- Da próxima vez leia o contrato com cuidado antes de assinar, senhora.
- Vocês que não queiram enganar os consumidores! Eu conheço dos meus direitos!
A vendedora ficou danada de raiva com a mulher que saiu da loja com o celular nas mãos mandando beijos para o namorado e fazendo selfie mostrando onde estava. E o fim da história termina com mais um consumidor feliz porque os direitos devem ser respeitados pelas lojas e empresas!