O UMBIGO DO MENINO

Rosângela Trajano

 

O menino coçava o umbigo pra lá e pra cá. Enfiava o dedo lá dentro. Queria ir bem fundo. Queria descobrir outro mundo.

No seu pequeno pensar, acreditava ser possível existir um mundo de elefantes, joaninhas, grilos e baratas, muitas baratas para fazer medo a sua titia e vê-la o abraçar pedindo ajuda, achava o máximo ser o herói da titia!

Mas, do umbigo nada saía. Nada se mexia. Nada dava uma palavra. Era só silêncio. A mamãe dizia ouvir muita coisa quando encostava o ouvido nele, o papai também. E o menino, como bom filho, acreditava neles.

Foi um dia, de repente, que o menino viu sair da sua barriga um grande desfile de bichos que pareciam estar se mudando dali: tartarugas com malas nas costas, leões também, onças pintadas, formigas e muitas baratas tudo com bagagens! Ele ficou espantado! Ele ficou admirado:

- Para onde estão indo todos? Por que estão indo embora?

O menino olhava para a fila de bichos, fadas, princesas, duendes, dragões e até mesmo anjinhos que estavam lhe dando adeus sem dizerem nada. Até que de tanto ele perguntar já quase chorando uma abelha parou, olhou para ele e respondeu:

- A gente quer ser ouvido. Faz mais de sete anos que reivindicamos os nossos direitos e ninguém nos responde.

- Que direitos?

- O direito principal deles: poder ir e vir quando quiser. A gente nunca saiu de dentro desse lugar. Isso é triste.

- E quem pode dar esses direitos?

- Você! Você que é o dono do nosso mundo! Fica aí parado sem fazer nada por nós! A gente vive preso cá dentro sem direitos, sem costumes, sem culturas, sem nada... somos um povo sem nada. Vai ver nem existimos nos livros de histórias.

- E o que eu faço para ajudar vocês?

- Aprenda a comandar o seu mundo! Crie leis, nos garanta direitos e deveres. Nos torne cidadãos do seu mundo. Um lugar sem leis vira uma anarquia.

- O que vocês costumam fazer dentro do meu umbigo?

- Dormir! Apenas dormimos o tempo todo! Vamos acabar adoecendo de tanto dormir! E o que é pior: dormimos em camas duras de fazer doer a coluna!

A abelha parou de falar, pegou a sua mala e continuou o seu caminhar na longa fila que se formava do lado de fora do menino:

- Para onde estão indo?

- Em busca de um novo umbigo!, responderam todos.

- Fiquem! Eu lhes peço!

- Você não pode pedir, menino! Você tem que ordenar! Somos o seu povo e respeitaremos as suas ordens!, disse a abelha outra vez.

O menino que até então não gostava de dar ordens achou aquilo muito estranho. Não daria ordens para ninguém. Só ficaria dentro do seu umbigo quem quisesse e ele gritou:

- Eu não sou um tirano! Eu gosto de pedir democraticamente! Fiquem pelo meu bem e pelo bem de vocês!

- E o que nos promete se ficarmos? Vai nos governar ou vai nos deixar abandonados novamente?

- Oh, seu grilo, eu não sabia que vocês existiam! Governarei com sabedoria!

A fila parou de andar. Todos fizeram um círculo para conversarem entre si, em voz baixa. O menino não sabia o que estava acontecendo. Depois de um tempo a fila voltou a andar, mas agora eles estavam voltando para dentro do umbigo do menino. Só a abelha parou no meio do caminho e do alto da sua sabedoria falou:

- Já que insiste decidimos ficar. Se quer ser um governo democrático comece perguntando se queremos trabalhar, pois a resposta é NÃO! Aprendemos a viver da preguiça e da boa vida! Queremos piscina com hidromassagem e chuveiro elétrico em todas as nossas casas! E dê um jeito de comprar comida da boa para gente e água potável para bebermos! Se possível compre salmão e caviar também! Se cuidar bem de todos nós nunca mais iremos embora do seu umbigo!

O menino teve vontade de rir daqueles bichos, fadas, princesas e anjos que viviam dentro do seu umbigo e reivindicavam coisas que nem ele mesmo tinha, mas sempre teve vontade de ter e comer. Não sabia como ia fazer para cumprir tudo o que prometeu a eles, mas sabia que podia contar com a ajuda da mamãe do papai, pois eles sempre tinham soluções para tudo! Só não sabia como o papai ia comprar salmão e caviar se em casa eles só comiam tainha com cuscuz. Aqueles bichos eram muito folgados, pensou o menino e coçou o umbigo só para ouvir algo de lá de dentro, pois não é que ouviu:

- Não esqueça do nosso caviar!

- Eu não me esqueci! Logo vocês vão comer salmão e caviar!

Daquele dia em diante, o menino nunca mais mexeu no seu umbigo para não ouvir mais tantos pedidos do seu povo. Quem em muito mexe acaba descobrindo coisas, melhor ficar quieto. Nem no banho o menino queria mexer mais no umbigo. Mas, a sua mãe meteu a esponja lá dentro e ouviu um jacaré gritar:

- Quando vai construir a nossa piscina com hidromassagem, menino? Estamos todos com dor nas costas! Sofremos com artrite e osteoporose!

A mãe ouviu aquilo e sorriu junto com o menino. De repente, ela passou a acreditar no povo do umbigo dele e disse sorridente para o jacaré:

- Assim que o governo liberar a primeira parcela do décimo terceiro! Esperem só mais um pouco, por gentileza!

O menino sorriu cheio de esponja pelo corpo. A mamãe não quis mexer no seu umbigo para não ouvir mais reclamações e pedidos. Melhor deixá-lo quieto.

- Mamãe, como vamos construir uma piscina dentro do meu umbigo? Vai ser aquele pedreiro bonzinho que vai entrar dentro de mim?

- Vamos dar um jeito, filho! Vai ser o pedreiro que você quiser! Deixe a mamãe receber o décimo terceiro!

Depois do banho, o menino vestiu correndo uma camisa e cobriu o seu umbigo bem coberto. Já pensou se todos entram em greve? Ou se eles se revoltam e decidem ir embora novamente? Melhor construir logo a piscina, pois no salmão e no caviar já tinha dado um jeito na noite passada. E foi seu gato quem o ajudou. Só não se sabe como porque no mundo de uma criança tudo é possível. No meu, um dia, nasceu uma anta dentro do meu nariz que só saiu de lá com um grande espirro! Athcimmmm!!!!

Rosângela Trajano
Enviado por Rosângela Trajano em 05/03/2023
Código do texto: T7733115
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