Eu faço coisas de gente grande

Rosângela Trajano

 

- Mamãe, por que todo o mundo vive dizendo que eu sou pequenina?

- Porque você é só uma menininha de nada, filha.

- Mas eu já faço um monte de coisas de gente grande.

- Isso você faz mesmo e faz melhor do que a sua tia de 54 anos de idade.

- Então quero ser chamada de adulta.

- Um dia será. Tenha calma.

- Se eu não for chamada de adulta deixarei de fazer tudo de gente grande.

- Quem vê você falando até pensa que faz mesmo coisas de adulto, filha...risos.

- Cuidar da senhora e do papai não é coisa de adulto, mamãe? Eu pareço uma psicóloga tenho que ouvir as reclamações, lamentações e tudo o mais que vocês desabafam comigo quando voltam do trabalho. Ontem mesmo o papai passou horas contando da briga que teve com o amigo no trabalho dele e acabou adormecendo. Esqueceu até de contar a minha história.

- Desculpe-nos, filha! Eu não sabia que você se preocupava tanto conosco!

- Mais do que pensam! Vocês parecem duas crianças! Vivem brigando! Eu com apenas sete anos de idade já sei cuidar de mim e não trago problemas para casa. Quando vocês viram eu reclamando da vida?

- Nunca! Nunca mesmo! Você está sempre alegre!

- Quando vocês me viram pegar no sono e deixar a comida queimar?

- Nunca! Nunca mesmo! Você é sempre cuidadosa na cozinha!

- Quando vocês me viram estressada gritando com Deus e o mundo?

- Nunca! Nunca mesmo! Você parece um anjo de paciência!

- E eu aqui tendo que suportar tudo issso de vocês!

- Eu pensei que você estava falando de lavar os copos de plásticos, colocar o lixo pra fora, dar comida para o cachorro e apanhar as folhas das árvores, filha.

- Isso não é problema nenhum para mim, mamãe! Faço com o maior amor do mundo!

- Eu já estava pensando em lhe pedir para parar de fazer essas coisas e somente brincar e estudar. Achei que estivesse lhe cansando.

- O que me cansa é ver o papai reclamando todos os dias que não tem dinheiro pra isso e pra aquilo. O que me cansa é ver a senhora fazer tudo na correria para ir trabalhar sem me dar um beijo de despedida todos os dias.

- Desculpe-nos, filha! Isso é uma reclamação?

- Não, mamãe! Isso é um pedido de ajuda! Estou cansada de cuidar de vocês! Todos os dias tenho que pegar remédios para papai na farmácia! Ele toma remédio para estresse, para dormir, para pressão alta, para ansiedade, para depressão. Você também toma um monte de remédios, mamãe! Por que vocês não param de correr tanto?

- Se pararmos de correr como vamos lhe dar um futuro melhor, filha?

- Eu quero um futuro com lembranças bonitas da minha infância. Quando eu crescer vou lembrar apenas da correria dos meus pais e das folhas da árvore que apanhava todos os finais de tarde! É isso o que querem que eu lembre?

- Não! Claro que não! Você é só uma menininha linda!

- Sou eu quem resolvo tudo nesta casa, mamãe! Eu não sou mais uma menininha! Outro dia o papai me pediu para dizer a um homem com uma pasta nas mãos que ele não morava mais aqui. Achei tão estranho! O homem me fez um monte de perguntas e eu menti para ele dizendo que não conhecia o papai.

- Desculpe-nos, filha!

- Tá bom! Tá bom! Mas quando forem me chamar de menininha lembrem-se que sou uma de verdade e não peçam para eu fazer coisas de adultos porque senão vou crescer antes do tempo. Combinado, mamãe?

- Combinado, filha! Não lhe daremos mais trabalho!

- É o que eu espero daqui pra frente!

- Pode pegar a batedeira em cima do armário para a mamãe, filha? É que estou com dor na coluna e ela está lá no alto! Suba na escada. Você é pequena e leve. Rapidinho conseguirá alcançar a batedeira.

- Mamãe, o que a gente acabou de combinar? Crianças não sobem em escadas!

- Só hoje, filha! Só hoje! Eu prometo que não vou lhe tratar mais como uma adulta!

- Espero que não mesmo! Onde está a escada?

Com mais uns trinta minutos, a campainha da casa tocou e a mãe da menina foi atender. Era uma profissional de estética que veio pintar as unhas, fazer os cabelos e maquiar a menina para ir à festa de páscoa da escolinha. E assim ele cresceu rápido demais! Vocês acreditam nisso? Há crianças que são tratadas como adultas e os pais nem percebem! Só quando estão grandes é que vão perceber!