Era uma vez um menino muito amigo do seu vovô. Para onde o vovô ia o menino ia com ele. O barbeiro que cortava o cabelo do vovô também cortava o do menino. Jogavam bola juntos e assistiam televisão juntos, também. Todas as noites o vovô contava histórias bonitas para o menino dormir e o menino gostava de brincar de carrinhos na careca do seu vovô. Eles eram muito amigos. Sabiam tudo um do outro. Daqueles amigos que a gente confia e entrega o nosso coração. Eu sei que nos dias de hoje está difícil um amigo assim, mas se procurarmos com cuidado ainda encontraremos. Infelizmente, eu não tenho mais amigos desse jeito porque eles precisaram partir, alguns para perto de Deus e outros para distante mesmo. Há coisas que acontecem com as amizades que são para nos ensinar a crescer em coletivo, pois as experiências em sociedade são para nos ensinar que não se vive sozinho nesse mundão de Deus.
Certo dia, o menino tomou um susto com o vovô e quase caiu para trás
- Qual o seu nome, garoto?
- Vovô, meu nome é Pedro! Esqueceu foi?
- Pedro? Que Pedro?
- Eu me chamo Pedro, vovô.
O vovô balançou a cabeça fingindo não ter acontecido nada e abraçou o seu netinho. Mas, o tempo foi passando e o vovô foi esquecendo de muitas coisas mesmo. Até o dia em que o vovô esqueceu completamente quem era aquele menino de cabelos cacheados e olhos negros redondos e grandes
- Quem é você? Solte a minha mão!
- Vovô? Sou eu Pedro, o seu netinho!
- Eu não conheço nenhum Pedro! Me deixe em paz, garoto! Vá! Vá embora daqui! Me deixe em paz!
Outras coisas também estavam acontecendo com o vovô. Ele estava ficando ranzinza e brigava com o menino por nada. O vovô também esquecia as coisas do dia a dia e depois foi esquecendo quase tudo e brigando com todo o mundo que não o deixava sair de casa sozinho. O menino ficou preocupado com aquilo. O vovô não era daquele jeito. Algo errado estava acontecendo. E lá se foi o menino conversar com a sua mamãe
- Mamãe, o que tem o vovô que está esquecendo de tudo?
- O vovô está doente, filho. É uma doença sem cura. Com o passar do tempo ela vai esquecer de tudo e vai ficar bem ranzinza de vez em quando. Você vai precisar de paciência.
- Ele está doente de quê? Que doença é essa, mamãe?
- O nome da doença é Alzheimer. Ela ataca mais pessoas da idade do seu avô, mas pode atacar gente mais nova também. As pessoas vão esquecendo datas, nomes dos familiares, momentos, compromissos. Também ficam com dificuldades na fala e no pensamento. Depois começam a ter dificuldades na locomoção.
- Nossa, mamãe! E não tem remédio pra essa doença?
- É uma doença sem cura. Tem remédio que entardece os sintomas. Só isso. O vovô vai precisar muito de você de agora em diante. E você deverá ser paciente e cuidadoso com ele.
- Eu vou sempre amar o vovô. Mesmo ele não sabendo mais quem sou eu! Será que nunca mais ele vai lembrar de mim, mamãe?
- Talvez sim, talvez não. Eu não sei dizer isso, filho. A única coisa que sei é que o vovô está precisando muito de amor e cuidado. E a gente vai dar essas duas coisas para ele sempre. Combinado?
- Combinado, mamãe! E quando ele ficar bravo comigo?
- Você o deixa quieto! Fique apenas perto dele e pronto!
O menino foi para o seu quarto chorando de tristezas pelo seu vovô não lembrar mais dele e nem das coisas boas que faziam juntos. Ele quase não contava mais histórias para o menino e quando conseguia contar esquecia uma parte aqui e outra acolá. Tinha dias que o vovô sentia dificuldades para se levantar da cama e ir ao banheiro, então ele passou a fazer xixi ali mesmo. Cada dia que passava mais a doença do Alzheimer tomava conta do vovô. O menino pensava consigo: por que não podemos impedir o sofrimento de quem amamos? O que será que o vovô pensa agora quando ele está quieto sem piscar o olho? De quem o vovô vai esquecer amanhã? Por que esquecemos as coisas e as pessoas? Se as pessoas bem soubessem elas nunca fariam por onde esquecer uma pessoa que as ama, pois o amor tudo pode.
Enquanto pôde o vovô jogou xadrez com o menino, mas quando esqueceu das regras do jogo parou de jogar. Então, o menino pegava a sua bola de futebol e convidava o vovô para jogar com ele. Mesmo cansado e meio desajeitado, o vovô ainda jogou bola com o menino durante um bom tempo, depois não pôde mais, pois passou a andar de cadeira de rodas. O menino sentia uma coisa estranha, essa coisa que a gente sente por dentro quando alguém que amamos está muito doente e não sabemos o que fazer. Se ao menos pudesse falar com Deus só um pouquinho. Se ao menos Deus o concedesse um milagre. Era tanta coisa que o menino pensava que a sua cabecinha estava ficando tonta e não conseguia mais estudar direito.
Sim, o menino foi reprovado de ano e os seus pais ficaram muito preocupados com ele
- Eu queria que o vovô lembrasse de mim novamente, mamãe, disse chorando.
- Filho, o vovô esqueceu de mim, também. Ele está esquecendo de todos nós. Você precisa voltar a estudar, brincar, se divertir com os seus amigos.
- O vovô é o meu melhor amigo! Eu não quero outro!
- Não é assim! Você pode ter vários amigos legais! Pense nisso! O João mesmo gosta muito de você!
- O João só quer saber de si. Ele não se preocupa com os outros. Eu gosto de pessoas que têm empatia.
- Onde você aprendeu o que é empatia, filho?
- Na escola, mamãe. Eu contei a história do vovô e a professora pediu para que todos os alunos tivessem empatia por mim.
- E eles tiveram?
- Sim! Quer dizer só o João que nem ligou e nem liga pra nada. Ele nunca perguntou como eu estou. Nunca quis saber dos meus sentimentos e de como vai o vovô.
- Tem pessoas que são assim mesmo. Mas, você tem outros amigos aqui na rua. Vá brincar um pouco com eles que eu cuido do vovô para você.
Assim, o menino passou a brincar mais vezes com os amiguinhos da sua rua e ficando um pouco distante do vovô que outro dia quase o machucou com a bengala só porque pensou que o menino era um estranho e queria levá-lo para longe de casa quando na verdade a sua casa era aquela. O vovô já tinha aberto a porta da frente e estava quase fugindo quando o menino chegou e evitou tudo.
O tempo foi passando e o vovô esquecendo das coisas. O menino fazia desenhos e os mostrava quando ele estava calmo. Lembrou que o vovô dizia que ele era um bom desenhista. Será mesmo? Não sabia nem desenhar uma casa direito, mas quem sabe os seus desenhos pudessem servir para distrair o vovô. Os desenhos tinham sempre dois bonecos: um pequeno e um grande que eram o menino e o vovô. O menino não sabia desenhar direito com os seus quatro anos de idade, mas ali estavam ele e o vovô fazendo as coisas de antes, como: pescar, olhar a lua, jogar bola, dançar, assistir jogos na televisão e o mais legal de tudo que era a ida todas as tardes à sorveteria de seu Jorge onde se lambuzavam de sorvetes. De algumas coisas, o vovô conseguia lembrar, mas de outras não.
Um dia, o menino estava brincando com os seus carrinhos sentado no chão e o vovô na sua cadeira de rodas olhando para o tempo. De repente, o menino o ouviu falar algo
- Pedro, o que faz aí no chão?
- Vovô, você lembrou de mim?
- Pedro? Sim! Você é Pedro, o meu neto.
O menino ficou feliz por demais naquela tarde de verão que passou muito rapidamente! Fazia mais de dois anos que o vovô não lembrava dele. Aquela foi a última vez que o vovô lembrou do menino. Depois daquela tarde, o vovô passou a viver em seu mundo. E o menino ao seu lado escutando tudo o que ele falava, mesmo sem entender nada. Quando a gente ama, a gente cuida. O melhor é não esperar quase nada do hoje, e tudo do amanhã. O hoje a gente é quem deve fazer.